Capítulo 04 – O dia-a-dia do familiar [Download]
Havia passado uma semana desde que Saito iniciou sua vida como familiar de Louise na Academia de Magia de Tristain. Se alguém quisesse explicar o dia a dia de Saito seria algo mais ou menos assim:
Para começar, como a maioria dos humanos e animais de Tristain, despertava pela manhã. Sua cama era, como sempre, o chão, mas comparando com o primeiro dia tinha melhorado. Dando-se conta que seu corpo doía quando passava a noite no chão duro, Saito pediu para Siesta um pouco de palha que usava como alimento de cavalos e havia colocado em um canto da parede do quarto. Saito dormia na montanha de palha, se cobrindo com uma manta que Louise havia lhe dado “gentilmente”.
Louise chamava a cama de Saito de “ninho de galinha”, o que era apropriado já que as galinhas dormem na palha e a primeira coisa que ele fazia pela manhã era despertar Louise, assim como faz um galo.
Tinha que fazê-lo, seria péssimo para ele se Louise acordasse antes dele.
–Um familiar estúpido que tem de ser acordado pelo seu mestre precisa ser castigado! –
Louise sempre o recordava.
Se ele se levantasse depois dela ficava sem café da manhã.
Uma vez desperta, Louise era vestida. Ela punha suas roupas interiores sozinha, mas fazia que Saito colocasse seu uniforme. Isso já havia sido mencionado.
Com todo o seu encanto, Saito ficava sem ar toda vez que via Louise em suas roupas interiores. Dizem que se acostuma com uma bela namorada em três dias, mas parecia que Saito não ia se acostumar com Louise tão cedo. Talvez seja por que ele era só o familiar e não namorado.
Mesmo assim, sempre ao lado de Louise, Saito parecia seu namorado. A única diferença era o trato que recebia.
Ver Louise todo dia não era de todo mau. Mas era uma ferida constante em seu orgulho. Quando ajudava Louise a se calçar, por exemplo, não podia esconder sua irritação.
Pelo menos isso ela tolerava. Mas se Saito dissesse alguma coisa que a irritava as coisas ficavam insuportáveis.
–Um familiar que aborrece seu mestre logo de manhã precisa ser castigado. – Era outro dos lemas de Louise
Se Saito zombasse do tamanho dos peitos de Louise ou dizia algo como “Abotoe sozinha sua camisa”, ficava sem café da manhã.
Vestida em seu uniforme, formado por uma capa negra, uma blusa branca e uma saia cinza, Louise lavava o rosto e limpava os dentes. A habitação não tinha coisas necessárias como água corrente, então Saito tinha que ir até a fonte e trazer água para Louise em uma jarra. E, certamente Louise não lavava o rosto sozinha. Fazia com que Saito lavasse.
Uma manhã, enquanto estava secando o rosto de Louise com uma toalha, aproveitou para pintar o rosto dela com um pedaço de carvão que tinha encontrado.
Ao ver sua obra prima no rosto de Louise teve que se segurar para não rir. Então, com uma elegância exagerada inclinou-se com educação.
–Louise-sama, hoje você é a pura representação da beleza.
Devido à baixa pressão do sangue, Louise só conseguiu responder sonolenta:
–Está tramando algo?
–Eu?! Sou só um familiar cumprindo as ordens de minha senhora. Jamais me atreveria a tramar algo!
Louise suspeitava da repentina e exagerada educação de Saito, mas como já estava atrasada para a aula não o interrogou mais.
Com suas bochechas de um rosa vivo, seus encantadores olhos avermelhados e lábios que pareciam esculpidos em coral, Louise sabia que não precisava se maquiar. Em outras palavras, não se olhava muito no espelho. E esse dia não foi diferente. E como resultado, não tinha idéia da “maquiagem” que Saito havia feito.
Louise foi até a classe nesse estado. Como já era tarde ela não encontrou ninguém no caminho.
Louise abriu a porta da classe ofegante. Seus colegas de classe, todos ao mesmo tempo, olharam para ela e explodiram em risadas.
–Louise você está muito bonita hoje!
–Meu Deus! Isso é tão típico de você!
Depois, quando o Senhor Colbert elogiou com delicadeza os óculos e bigodes desenhados em seu rosto. Louise ficou furiosa. Saiu ao corredor aonde Saito agarrava o estomago enquanto rolava no chão atacado por uma risada histérica e o bateu uma dúzia de vezes e vetou todas as suas refeições do dia.
Segundo Louise, um familiar que tratava o rosto de seu mestre como um pedaço de quadro negro era similar a os demônios do passado que se opunham ao fundador Brimir e seus aliados, e esses demônios não mereciam receber pão e sopa dados pela rainha.
Depois de tomar o café, Saito limpava a habitação de Louise. Isso envolvia em limpar o chão com uma escova e a mesa e as janelas com um pano.
E depois tinha a super divertida lavagem de roupa. Levava a roupa até a fonte e a esfregava contra uma tábua para lavar. Não havia água quente, só água gelada que fazia com que seus dedos dormissem. As roupas de Louise pareciam caras, cheias de lacinhos e babados. Ficaria sem comer se estragasse alguma, então tinha que lavá-las com cuidado. Era um trabalho muito duro.
Cansado de fazer isso ele deixou uma calcinha na pilha com o elástico um pouco rasgado.
Alguns dias mais tarde, Louise, alheia de tudo isso, usava essa calcinha em particular quando ela rasgou. Sua calcinha desceu até os tornozelos, enroscando nas pernas dela como se fosse uma armadilha de caçador. Além disse, ela estava no topo de uma escada, então ela despencou do topo de forma espetacular.
Felizmente, não havia ninguém por perto para vê-la rolando escadas abaixo com sua metade inferior completamente exposta, assim pelo menos sua reputação foi salva.
Dando-se conta de que havia exagerado, Saito foi cuidadoso o suficiente para não espiar dentro da saia de Louise enquanto se desculpava com a inconsciente Louise aos pés da escada. Não esperava que fosse assim. Esperava que acontecesse em um corredor, para conseguir melhores resultados.
Uma vez que Louise recobrou a consciência e se deu conta do que havia acontecido, ela mostrou o elástico rasgado para Saito, que estava obedientemente sentado ao lado da cama.
–Estava desgastada.
–Estava, Senhorita.
A voz de Louise tremia de fúria.
–Explique-se.
–Deve ter sido a água da fonte, Senhorita. Estava tão fria que podia congelar instantaneamente os dedos. Parece que esse elástico não suportou.
Essa foi a resposta de Saito.
–Está dizendo que a culpa foi do elástico?
–Estou dizendo que foi culpa da água. É uma água malvada. Estou certo que deve haver algum tipo de maldição naquela água que faça a ficar tão fria, e assim afete o elástico.
–Nesse caso não alimentarei esse familiar tão leal com sopa feita com essa tal água
“malvada”.
–Você é muito amável.
–Três dias, creio eu, serão suficientes para que a água volte ao normal.
Ela passou três dias sem alimentar Saito.
Mesmo assim Saito permaneceu alimentado aqueles três dias. Ele somente fingia estar passando fome, mas visitava a cozinha atrás do Salão de Alviss, onde a adorável e enérgica Siesta lhe servia como alimento cozido e carne com osso. Ele ia mesmo quando não estava castigado sem comer. A sopa que Louise chamava de “A Benção Generosa de Sua Majestade, A Rainha” nunca o abençoava com um estomago cheio.
Logicamente ele manteve em secreto as visitas á cozinha. Louise gostava de puni-lo sem comida até que consertasse seu comportamento, assim seria um problema se ela descobrisse do assado de carne que Siesta o servia amavelmente. Louise provavelmente proibiria as visitas na cozinha pela “educação” de seu familiar.
Assim, ela nem se dava conta. Em qualquer caso, Saito preferia cem vezes mais Siesta e a cozinha do que essa tal Rainha e o Fundador Brimir, que ele nunca tinha conhecido.
Uma manhã, depois de beber com voracidade sua sopa diante de Louise, foi à cozinha. Saito era muito popular por lá por ter vencido Guiche.
–Nossa Espada está aqui!
Quem gritava era Marteau, o chef principal, um quarentão bem gordo. Naturalmente, era um plebeu, mas com sua posição de chef da Academia ganhava como um nobre de baixa classe, algo para se ter bastante orgulho. Vestido em roupas simples, porém finas, comandava a cozinha com um mero mover de mãos.
Apesar de sua posição como chef principal de uma academia mágica para nobres, Marteau não era nada arrogante, e o que era mais surpreendente, não suportava nem magia e muito menos os nobres.
Chamava Saito, por causa da espada que ele havia usado para vencer Guiche, pelo apelido “Nossa Espada” e o tratava como rei. Graças a ela a cozinha era um Oasis para Saito.
Saito sentou-se na cadeira, e com um sorriso, Siesta levou-lhe um prato de carne assada e um pouco de pão branco.
–Obrigado.
–A comida de hoje é especial – declarou Siesta, parecendo especialmente feliz.
Saito levou a colher a boca com curiosidade e em um momento seu rosto se iluminou
–Ahhh! Está delicioso! Está anos-luz da porcaria que Louise me dá para comer!
Nisso, Marteau se aproximou, brandindo uma faca de cozinha em uma mão.
–Claro. Isso é o que servimos àquelas crianças nobres todos os dias.
–Não posso acreditar que é isso que eles comem todo o dia...
Marteau bufou alto com o comentário de Saito.
–Claro, eles usam magia. Levantam castelos inteiros do barro, conjuram pedras incríveis, inclusive controlam dragões, entende. Mas veja, criar esses pratos tão requintados é uma espécie de magia, não concorda Saito?
–Totalmente. – assentiu Saito.
–Sim senhor! Você é um bom garoto!
Pôs seu braço em volta dos ombros de Saito.
–Essa é Nossa Espada! Deixa-me dar um beijo em seu rosto! Venha! Insisto!
–Eu prefiro que não... E pare de me chamar assim... – disse Saito.
–Por que não?
–Porque é... Estranho.
O homem soltou Saito e abriu os braços em protesto.
–Mas você cortou em pedaços o golem de um mago! Não entende?
–Eu suponho...
–Onde aprendeu a usar espada? Diga-me aonde ensinam a brandir a espada assim.
Marteau fixou seu olhar em Saito. Ele perguntava isso toda vez que Saito ia comer lá. E todas às vezes a resposta de Saito era a mesma.
–Não sei. Nunca havia tocado em uma espada antes. Meu corpo se moveu sozinho.
–Gente! Ouviram isso? – gritou Marteau, sua voz ecoou na cozinha.
Os cozinheiros e aprendizes gritaram por sua vez:
–Ouvimos Chefe!
–Isso é o que chamam de um verdadeiro mestre! Nunca faz alarde de suas habilidades! Olhem e aprendam! Um verdadeiro mestre nunca faz alarde!
Os cozinheiros repetiram alegremente.
–Um verdadeiro mestre nunca faz alarde!
Então Marteau se virou e olhou para Saito.
–Sabe, Nossa Espada, cada vez gosto mais de você!
Saito somente dizia a verdade, mas Marteau sempre pensava que ele estava sendo modesto. Era algo frustrante. Sentia como se decepcionasse um bom homem. O olhar de Saito desceu até as runas na sua mão esquerda. Desde aquele dia não voltou a brilhar.
Pergunto-me o que realmente aconteceu...
Mesmo quando Saito tentava entender aquela situação olhando para suas runas, Marteau interpretava que ele era reservado.
O chef se voltou para Siesta.
–Siesta! – chamou
Siesta que estava contemplando aquela cena animadamente, respondeu com alegria:
–Sim?
–Traga para o nosso herói o melhor de Albion!
O sorriso dela se alargou, e tirou uma garrafa de vinho da safra solicitada do armário. Encheu o copo de Saito com ele. Siesta olhava admirada para o rosto de Saito ficando mais e mais vermelho por causa do vinho. Esses eventos se repetiam quase cotidianamente.
Saito visitava a cozinha, Marteau sentia cada vez mais simpatia por ele, e o respeito que Siesta sentia por ele aumentava cada vez mais.
Nesse dia em particular, havia uma sombra carmesim espiando Saito da janela da cozinha. Um dos cozinheiros jovens se deu conta.
–Ei, há alguma coisa lá fora, na janela!
A sombra emitiu um “kyuru kyuru” e sumiu.
Depois do café, limpar e lavar roupa, Saito acompanhava Louise nas aulas. No começo ele sentava no chão, mas depois de Louise perceber que Saito aproveitava para olhar debaixo das saias das garotas o deixou sentar em uma cadeira. E também deixou claro que se o olhar dele se desviasse para muito longe da lousa ele ficaria sem comer.
De ínicio as aulas fascinavam Saito com suas maravilhas: converter água em vinho, combinar vários elementos para criar uma poção em especial, materializar bolas de fogo do nada, fazer caixas, gravetos e bolas levitarem para fora da janela para os familiares pegarem, etc. Mas depois de um tempo a novidade se desvaneceu.
E assim ele se costumou a dormir. Os professores e Louise lhe lançavam olhares fulminantes de vez em quando, mas não havia regras que proibissem os familiares de dormirem durante as aulas. Olhando para a sala, todas as criaturas noturnas estavam roncando, inclusive uma coruja. Então, se despertassem Saito significaria que estariam tratando ele como um humano.
Louise mordia os lábios de vontade de dar ao dorminhoco Saito uma boa bronca. Mas não podia, pois se assim o fizesse ela estaria contradizendo o fato de ele ser somente um familiar.
Naquele mesmo dia, banhado pela luz do sol, Saito tirou uma soneca em outra aula.
O vinho que ele havia bebido de manhã estava fazendo efeito, e Saito sonhou. Um sonho em que Louise se arrastou até sua cama de palha enquanto dormia.
–O que aconteceu Louise?
Ao ouvir seu nome, Louise olhou para Saito.
–Não consegue dormir? Oh, tudo bem... Não se preocupe. Munyaa~~
–Oh, ele só está falando enquanto dorme... – disse Louise e voltou seu olhar para frente.
–... E-Ei! Não me abrace assim de repente!
O olhar de Louise voltou a Saito. Os outros estudantes começaram a dar-se conta da situação e afinavam seus ouvidos para poder escutar.
–Deus, você pode ser mandona durante o dia, mas é a menina mais doce do mundo na cama.
Um filete de baba escorria pelo canto da boca de Saito enquanto ele continuava desfrutando o seu sonho.
Louise segurou os ombros dele e começou a sacudir violentamente.
–Ei! Mas que tipo de sonho você está tendo?
Seus colegas de sala começaram a rir. Malicorne o Barlavento fez um comentário:
–Oi, oi Louise! É assim que trata o seu familiar pela noite? Estou surpreso!
As garotas começaram a cochichar entre elas.
–Esperem! Isso é só um sonho estúpido! Ahh, por Brimir! Desperte de uma vez!
–Louise, Louise, você é uma gatinha. Pare de lamber-me assim dessa maneira.
Louise tirou Saito da cadeira com um chute, trazendo-o assim violentamente à realidade desde o seu doce e suave mundo dos sonhos.
–O que foi isso?!
–Quando visitei a sua cama de palha? – gritou Louise irritada. Cruzou os braços e olhou desde cima de forma imponente.
Saito sacudiu a cabeça, divertindo ainda mais a sala.
–Saito explique a essas pessoas grosseiras que eu nunca pus sequer um pé fora da minha cama durante a noite.
–É verdade. Estava apenas falando enquanto dormia. Louise nunca faria uma coisa dessas.
Os estudantes se viraram, decepcionados.
–Isso não é obvio? Como se eu fosse fazer algo assim! Ainda por cima com essa coisa! Essa coisa! Só de pensar que me juntaria com essa forma inferior de vida na cama vai além de uma piada! – protestou Louise, dirigindo voltando seu olhar para cima.
–Mas meus sonhos às vezes se tornam realidade... – comentou Saito.
–É verdade! – comentou alguém da sala. –Depois de tudo, os sonhos têm o poder de predizer o futuro!
–Minha ama, com a personalidade que tem, provavelmente nunca encontrará um amante. – admitiu Saito.
A grande maioria dos estudantes assentiu. Louise fulminou outra olhada cheia de maldade para Saito, mas já era tarde. Saito já havia começado a falar.
–Minha pobre ama se sente bastante frustrada com isso, e então recorre a humilde montanha de palha de seu familiar.
–Já chega! – falou Louise irritada com as mãos na cintura. –Feche sua boca suja agora mesmo!
Mas isso não evitou que Saito continuasse.
–Quando isso acontece, eu tenho de ser um pouco duro com ela...
Ele tinha ido longe demais. Os ombros de Louise começaram a tremer de raiva.
–Eu tenho que dizer a ela “não é aqui que você dorme!”
A classe inteira aplaudiu. Saito fez uma reverencia elegante e voltou ao seu lugar. Louise lhe deu um chute, fazendo com que ele rodasse pelo chão.
–Não me chute!
Mas Louise já estava fora de si. Seu olhar estava dirigido firmemente para frente e, como sempre, seus ombros tremiam com a ira mal contida.
De novo havia uma sombra carmesim vigiando Saito.
Era a salamandra de Kirche. Com a barriga no chão ela observava Saito por uma fresta entre as cadeiras.
–Hm?
Quando Saito o percebeu acenou com a mão.
–Essa é a salamandra de Kirche, não? Sei que ela tem um nome. Como era mesmo...? Ah sim! Flame.
Saito ia andar até ela, mas a salamandra agitou sua cauda em e lançou algumas chamas e correu de volta ao seu dono.
–Por que esse réptil se interessa tanto por mim?
Saito inclinou a cabeça, perplexo.
E enquanto Saito trocava olhares com a salamandra no meio da aula...
Na sala do diretor da academia, Miss Longueville, a secretária, estava escrevendo algo.
Ela parou por um momento e olhou mais adiante para a mesa de sequóia, onde Sir Osmond estava ocupa do tirando uma soneca.
Os cantos dos lábios de Miss Longueville se levantaram, revelando uma expressão que nunca tinha mostrado a ninguém.
Levantou-se da sua mesa.
Em voz baixa, murmurou o Feitiço de Tranqüilidade. Tomando cuidado para que seus passos não despertassem Osmond, saiu da sala.
Seu destino era a sala do tesouro, situada bem debaixo da sala do diretor.
Descendo a escadaria se deparou com enormes portas de ferro. Mantinham-se fechadas por um mecanismo muito grosso de bloqueio e com um enorme cadeado.
Naquele lugar eles guardavam os artefatos que vieram desde antes da criação da academia. Depois de olhar atentamente ao redor ela pegou uma varinha do bolso. Não era maior que um lápis, mas com um movimento das mãos ela se estendeu até ficar do tamanho de um bastão de maestro.
Miss Longueville lançou outro feitiço. Uma vez que ela terminou a invocação, apontou para o cadeado com a varinha. Mas... Nada aconteceu.
–Bom... Eu não esperava que um feitiço de desunião funcionasse mesmo... – murmurou.
Sorrindo, começou a recitar as palavras de um feitiço que ela era especialista. O feitiço de transformação. Entoado de forma clara e concisa moveu sua varinha até o pesado cadeado. A magia havia sido invocada. Mas depois de esperar um tempo considerável, não houve mudança visível.
–Parece que o cadeado foi reforçado por um mago de classe quadrado.
Um feitiço de reforço prevenia a oxidação e decomposição do material. Qualquer substância estava protegida de qualquer reação química com esse feitiço, e permitia permanecer intacto para sempre. Inclusive a magia de transformação não tinha efeito sobre algo protegido dessa maneira. Somente uma habilidade mágica que superasse a do mago que havia estabelecido o feitiço quebraria o cadeado.
Pelo que parece o mago que havia enfeitiçado a porta era muito poderoso, levando em conta que nem mesmo Miss Longueville, uma expert em magia terrestre e em especial em transformação, fora capaz de afetar o cadeado.
Retirou os óculos e olhou novamente para a porta. Nesse momento escutou passos na escada.
Abaixou sua varinha e a guardou no bolso. A pessoa que apareceu era Colbert.
–Olá, Miss Longueville. O que está fazendo aqui?
–Senhor Colbert, ia catalogar o conteúdo da sala do tesouro, mas...
–Oh, isso é muito trabalhoso. Provavelmente levará um dia inteiro até que veja o último objeto. Além do mais há bastante lixo misturado, e não há muito espaço livre.
–Entendo.
–Por que não pede a chave para o Velho Osmond?
A mulher sorriu.
–Bom... Não queria interromper o sono dele. De qualquer maneira, não há pressa para completar o catalogo...
–Entendo. Dormindo... Esse ancião, quero dizer, o Velho Osmond é muito dorminhoco. Parece que terei que visitá-lo de novo.
Senhor Colbert começou a ir embora, mas parou seus passos e se virou.
–Eh... Miss Longueville?
–O que foi?
Colbert parecia envergonhado quando abriu a boca para falar.
–Se você quiser, estaria tudo bem... Para nós... Comermos juntos?
Ela só pensou por um momento, e sorriu amplamente enquanto aceitava a oferta.
–Claro. Seria um prazer.
Ambos desceram as escadas.
–Senhor Colbert... – com um tom mais informal, Miss Longueville começou uma conversa.
–Sim? O que foi?
Estranhado de como seu pedido foi aceito tão rápido ele respondeu precipitadamente.
–Há algo muito importante dentro da sala do tesouro?
–Há sim.
–Então, conhece o “Báculo da Destruição”?
–Ah, é um objeto bem peculiar, sem dúvida.
Os olhos dela brilharam.
–Que... Que forma ele tem?
–É extremamente difícil de descrever, eu diria que ele é estranho. Mas não se preocupe com isso. O que quer comer? O cardápio de hoje é linguado assado em ervas finas, mas eu sou muito amigo do chefe Marteau, e posso pedir para ele fazer algo que goste mais...
–Aham – Miss Longueville interrompeu a conversa de Colbert.
–S-Sim? – disse Colbert.
–A sala do tesouro, quero dizer, foi construída de maneira formidável. Não importa o tipo de magia que se use, é impossível de abrir, não é mesmo?
–Isso mesmo. É impossível para um único mago. Ela foi protegida por um grupo de magos de classe quadrado para resistir todo e qualquer tipo de feitiço.
–Estou impressionada com quanto conhecimento possui, Colbert. – olhou para ele com uma expressão confortável.
–Eh? Bom... Acontece que acabo de ler uns documentos com detalhes dessas plantas, isso é tudo... Gosto de considerar isso como parte de minha pesquisa. Graças a isso, ainda sou solteiro em minha idade...
–Estou certo que a mulher que encontrar será muito feliz contigo. Afinal, você pode ensinar coisas a ela que nenhum outro poderia...
Miss Longueville o lançou um olhar de fascínio.
–Oh não! Não me elogie assim!
Colbert gesticulava nervosamente enquanto uma gota de suor escorria sobre seu rosto. Logo, recuperando a compostura, olhou para ela seriamente.
–Miss Longueville, já ouviu falar do Baile de Frigg que se celebra no dia de Yule?
–Não.
–Bom, suponho que é por que você está em Tristain há apenas dois meses. Bom, não é nada espetacular, é uma espécie de festa. Dizem que o casal que dançar junto nesta festa estará destinado a ficar juntos, ou algo assim. Apenas uma pequena lenda...
–E então? – sorrindo, ela deu um impulso para ele continuar.
–Bom... Se estiver bom para você gostaria de saber se dançaria comigo...
–Seria um prazer. Mas, mesmo que bailes são maravilhosos, gostaria de saber mais sobre a sala de tesouro agora mesmo. Fico muito fascinado com artefatos mágicos...
Querendo continuar impressionando Miss Longueville, Colbert forçou sua memória.
Sala do tesouro, sala do tesouro...
Tentando de lembrar qualquer coisa que pudesse ser interessante, se deu um ar de importante e começou a falar.
–Ah, sim! Há uma coisa que posso dizer, mas não é de muita importância.
–Que seja, diga-me.
–Certamente, a sala do tesouro é invencível contra ataques mágicos, mas creio que ela tem um ponto fraco fatal.
–Oh, é intrigante.
–O ponto fraco é... Força física.
–Força física?
–Sim! Por exemplo, bom, não que isso seja provável, mas um golem poderia...
–Um golem gigante? – cortou Miss Longueville.
Colbert afirmou sua opinião com muito orgulho à Miss Longueville. E quando terminou de falar, não pode deixar de sorrir de satisfação.
–Isso é realmente muito intrigante, Senhor Colbert.
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