Capítulo 4 – Stratocaster, Chá Vermelho
Quando as aulas acabaram Mafuyu desapareceu da sala em um instante. Desde que se transferiu para cá, seu paradeiro se tornou um dos maiores mistérios da Classe Três do Primeiro Ano.
— Seus sapatos ainda estavam na sapateira, então não acho que ela esteja indo direto para casa depois do colégio.
— Representante, quando você saiu do colégio ontem?
— Hmm... Por volta das cinco horas.
— Eu vi Mafuyu perto da sala dos professores.
A aula já estava para começar, mas Mafuyu não estava em nenhum lugar. Um grupo de garotas se juntou em volta de sua mesa (que é bem ao meu lado), e estavam trocando informações entre si. Parem de se intrometer na vida dos outros!
— Eu achei que ela gostava de desenhar já que escolheu belas artes como eletiva, então tentei convidar ela para o clube de arte... Mas ela fugiu depois de dizer algo estranho para mim. O que há com isso!
— Falando disso, essa garota não faz nada durante as aulas, certo? Tudo que ela fez foi abrir seu caderno de esboço e deixá-lo aí! Tem algo errado com a cabeça dela?
— Ela deveria simplesmente ter escolhido música. Ela também está causando vários problemas para os professores, né?
A opinião de todos sobre Mafuyu estava declinando ainda mais enquanto continuavam a falar, apesar de isso ser esperado.
— Pervertido, você sabe algo sobre ela?
Elas de repente me envolvem na conversa.
— Você pode, por favor, não se dirigir a mim dessa forma...
— Então que tal ‘Crítico Exclusivo da Mafuyu’?
— Uou, isso soa como um perseguidor.
— Também não quero isso.
— Então que tal se combinar ambos e ‘Crítico Pervertido’?
— Não vá combinando coisas aleatoriamente! — Graças a calunia infundada de Mafuyu, eu enfrentava uma crise em minha vida — só nos encontramos uma vez antes do colégio, então não sei nada sobre ela.
Qual é a desses olhares incrédulos!
O sinal começou a tocar, mas Mafuyu ainda não estava na sala, e Chiaki ainda não havia chegado também, como sempre. Parecia que ela praticava a bateria em algum lugar toda manhã. A vantagem de ser um baterista é a de poder praticar em basicamente qualquer lugar, desde que você tenha um par de baquetas, um metrônomo e algumas revistas.
No momento em que o sinal parou de tocar e o professor estava fechando a presença, a porta no fundo da sala abriu.
— Eu cheguei a tempo! Eu cheguei a tempo, certo? — Chiaki gritou enquanto corria para dentro da sala, e por alguma razão desconhecida, ela estava arrastando Mafuyu junto. A silenciosa Mafuyu mostrou uma expressão irritada, e largou a mão de Chiaki.
Mas nosso professor é bondoso e disse para elas: — Não marcarei falta para vocês, então se sentem imediatamente. — Se fosse só Chiaki, nosso professor provavelmente a teria marcado como atrasada sem hesitar.
— Foi mal, mas me empresta suas anotações um pouco. Vou copiá-las rápido.
Chiaki pegou meu caderno depois de se sentar.
Eu olhei para suas costas enquanto ela copiava furiosamente, e perguntei baixinho: — O que vocês duas estavam fazendo?
— Eu estava praticando no corredor do terceiro andar, e vi Mafuyu. Ela parecia perdida.
— Eu não estava perdida... — Mafuyu murmurou. Eu secretamente lhe lancei um olhar – ela parecia um pouco brava, e seu rosto estava bem avermelhado também. Isso quer dizer... Que essa garota realmente tem um senso de direção ruim? O colégio é bem grande, mas é muito ridículo se perder tentando achar sua sala de aula, certo?
— Fiz um desvio para a sala de música no meu caminho de volta...
— Ok, vou começar a aula, então vocês dois parem de conversinha. — O professor falou irritado, e nossos colegas deram um riso baixo.
A sala de música? Por que lá? Minhas duvidas restaram apenas por um breve momento, visto que o professor de repente me chamou para responder a uma das perguntas da nossa tarefa. Com isso, a única coisa em que pude me concentrar foi em pegar meu caderno de volta da Chiaki.
Como sempre, após a aula eu escapei das tentativas da Chiaki de me sequestrar para o clube. Desci para a livraria para devolver alguns livros que eu havia pegado, antes de ir em direção a sala abandonada atrás do prédio principal do colégio. Assim que passei pelo canto do colégio e vi a chaminé do incinerador, os sons baixos de uma guitarra elétrica chegaram aos meus ouvidos.
Vinha da sala que eu estava usando. E de repente pensei: eu deixei algum CD ainda tocando? Merda! Mas assim que me aproximei da porta e ouvi, percebi que não era esse o caso. De dentro da sala, vinha uma melodia que eu nunca ouvira antes, mas mesmo assim eu estava bem familiarizado com ela.
<Rapsódia Húngara No. 2>1 de Liszt
Esse é um solo extremamente difícil de piano. Durante a adorável friska, a melodia é acompanhada de notas que são tocadas repetidamente em uma velocidade extremamente
1 http://www.youtube.com/watch?v=z36aWM3jYT8
alta; além disso, o que eu ouvia era uma versão de guitarra2. O que é isso? Eu não tenho um CD tão incrível... Não, espera, isso é ao vivo – então tem alguém tocando isso agora, com uma guitarra elétrica ligada no amplificador que eu modifiquei.
Não pude evitar os arrepios que eu tive. É impossível que uma melodia como essa seja tocada por uma pessoa só, mesmo que essa pessoa tenha quatro mãos. Entretanto, a música que fluía para meus ouvidos vinha de uma única guitarra. Então que pessoa seria essa...?
Agarrei a maçaneta.
Então, o piano de cauda enterrado no depósito de lixo apareceu na minha mente.
Empurrei a maçaneta diagonalmente, e girei ao mesmo tempo. *Kacha*—ouvi um som metálico e abafado, e tive a sensação da tranca se desfazendo em minha mão. Assim que abri a porta, a música parou subitamente.
Mafuyu estava sentada na longa mesa e olhando para mim com uma expressão atônita. Sua guitarra envernizada quase escorregava de suas pernas. Imagino que minha expressão na hora fosse a mesma que a dela.
Por que... Mafuyu está aqui? Na minha sala (que estou usando sem permissão), e segurando uma guitarra? O que infernos está acontecendo aqui? Poderia ser que tudo desde meu encontro com ela nas férias de primavera havia sido um sonho—
— ...Por quê?
Mafuyu recobrou os sentidos um pouco mais rápido e falou primeiro. Dei um pequeno passo para trás em choque.
— Eh? Ah, não... espera, pare, você vai me matar se me bater com essa sua guitarra!
O rosto de Mafuyu estava totalmente vermelho, e ela balançou a sua pesada Stratocaster3 enquanto me caçava. Fechei a porta para escapar dela.
2 https://www.youtube.com/watch?v=etzfeuY5GWo
3 Meio óbvio pelo texto, mas é a guitarra na qual Mafuyu estava tocando. Fender Stratocaster, também conhecida como “Strato” no Brasil.
— ...Por que você está aqui? Pervertido! Perseguidor!
Os gritos de Mafuyu vinham pelos espaços da porta. Espera, eu que deveria estar perguntando isso!
— Eu tenho usado essa sala desde sempre, então por que você entrou por si mesma? — Apesar de eu também estar usando sem permissão...
— Eu... Eu consegui permissão da Senhorita Mukoujima antes de entrar.
— Eh?
Senhorita Mukoujima Maki, apesar de todos a chamarem de Maki. Ela é uma jovem professora de música que todos acham simpática e muito assustadora ao mesmo tempo. Entendo, então essa era a razão para ela ter ido à sala de música de manhã? Não, espera, por que lhe foi concedida permissão para usar a sala? Então isso significa que se eu tivesse pedido a professora por permissão também teria tido acesso a sala?
— Simplesmente vá embora!
Ela estava dizendo isso, mas eu já havia movido uma quantidade enorme dos meus CDs, consertado um amplificador de áudio, e até preparado algumas almofadas – gastei tanto esforço para tornar a sala o mais confortável possível! Mesmo que você queira que eu suma, você não poderia esperar que eu dissesse: “Tudo bem, que seja!” e fosse embora obedientemente!
— ... Eh, o que está acontecendo aqui? Por que a professora iria...
Ela não respondeu. Ao invés disso o som de uma garra gigante arranhando as paredes pôde ser ouvido – era o feedback da guitarra elétrica. Pare com isso, ou você vai quebrar o amplificador!
Tudo que pude fazer foi dar um suspiro e me afastar da porta da sala.
De volta ao prédio do colégio, uma súbita raiva cresceu dentro de mim enquanto andava pelo corredor. Aquele era claramente o meu território – ela veio depois, mas lá estava, sentada confortavelmente. Quem poderia aceitar isso? Se for esse o caso, eu vou reclamar com a senhorita Maki. Entretanto, a raiva já diminuirá quando me aproximei da porta da sala de preparação musical. Um pôster gigante de Ootsuki Kenji estava colado na porta deslizante – a professora Maki poderia ser fã da banda de rock Kinniku Shoujo Tai? E, está tudo bem ela colocar tal coisa abertamente na entrada da sala dos professores?
Tive uma competição de encarar com Ootsuki Kenji enquanto tentava me acalmar. Eu podia ouvir levemente o som relaxante de uma melodia da orquestra sinfônica praticando na sala ao lado – é uma música de fundo de um jogo de simulação <Pegue o Trem ‘A’>.4
Independente do que diga, você também usou a sala sem permissão — caso eu reclame para a Senhorita Maki, então só vou acabar entrando em confusão.
Mmm, mesmo assim, se você quer que eu simplesmente me retire assim, então—
— Sim? Procurando por mim?
Pulei de susto com uma voz que veio de repente de trás de mim, e minha testa bateu no rosto de Ootsuki Kenji. Virei-me e vi a Senhorita Maki atrás de mim com um pequeno sorriso no rosto. Ela estava usando uma blusa branca e uma minissaia—como ela é tão perturbadoramente compatível com esse tipo de traje, os estudantes a chamam de “Professora Erótica” em segredo. Ela é a razão pela qual os garotos do primeiro ano que escolheram belas artes ou caligrafias como eletivas vivam em remorso. Entretanto, após ir às suas aulas, eram os garotos que tinham escolhido música como eletiva que estavam ainda mais arrependidos agora.
— Eh? Ah, não.
— Está tudo bem, só entre. Eu estava pensando em tomar um chá. Gostaria de se juntar a mim?
Com isso, a senhorita Maki me arrastou para dentro da sala preparatória.
4 https://www.youtube.com/watch?v=XIIOZ9wv8g0
A sala de preparação musical é apenas a metade do tamanho de uma sala normal. Como há uma estante cheia de partituras, e também um piano vertical, o lugar estava bem apertado.
— Oh, a água quente está na chaleira, e os sacos de chá estão no armário. E, também corte um pedaço do bolo de mel enquanto você está fazendo isso.
Então você está delegando todo o trabalho a mim?
— Ah, só uma xícara de chá já está bom, e corte o pedaço de bolo em três.
— Eh? Senhorita Maki não vai querer?
— Do que você está falando? É para mim, é claro. Eu nunca mencionei algo sobre você receber algum.
O que mais eu posso dizer?
— Se você quer tanto assim beber chá, eu posso deixar você chupar naqueles sacos de chá usados e sem gosto.
Não obrigado. Ahh, quero ir para casa...
Senhorita Maki bateu nas minhas costas e disse que era só brincadeira. Finalmente consegui me sentar na cadeira depois de preparar as duas porções de chá e bolo. Então, a professora de repente disse,
— Você está aqui para falar sobre a sala de música, certo?
Quase cuspi meu chá.
— C-Como você sabia?
— Ara ara. Já sei de tudo. Como você tem usado a sala sem permissão por duas semanas; como você modificou o tocador de CD para poder usá-lo com um dispositivo de entrada externo; ou como você consertou os cabos de recepção do rádio... E como as almofadas são muito confortáveis de se sentar...
— Ahhhhhhhhhh.
Honestamente, eu estava considerando se devia simplesmente me esconder em baixo da mesa ou algo assim. Não, espera, se eu fizer isso, só vou ser trucidado pela senhorita Maki.
— Mas como você limpou o lugar muito bem, eu me fiz de cega. Por acaso, fui a única que percebeu.
— Desculpe desculpe, não farei isso de novo.
— Como Mafuyu pode usar a sala imediatamente do jeito que está, a hora foi perfeita.
Tirei meus braços, que estavam abraçando a minha cabeça e olhei para o rosto da senhorita Maki.
Ela disse enquanto ria — você está aqui para reclamar sobre isso, certo?
— Não... Não estou em posição para reclamar de qualquer forma.
— Está tudo bem por mim se você quer usá-la. Não posso lhe rejeitar depois de garantir permissão especial para Mafuyu. Vocês dois deveriam tentar se dar bem.
— Não, isso é bem impossível.
Falando sobre isso, eu estava totalmente confuso com a situação.
— Poderia ser que a senhorita Maki e Mafuyu já se conheciam?
— Sim. Fui aluna do pai dela e costumava tocar piano com Mafuyu o tempo todo.
A expressão da senhorita Maki foi levemente solitária.
— Quanto a Mafuyu... alguma coisa aconteceu, e ela acabou se transferindo para esse colégio. Ela então me disse que queria uma sala que pudesse usar sozinha. Isso é apenas a filha do diretor sendo teimosa, mas já que ela não está causando problema para ninguém...
— Entendo... — Então os professores já haviam dado seu acordo silencioso a isso.
— Então você pode usar a sala também, se você está disposto a dividir com Mafuyu.
Então no final, eu fui o expulso!
— Mas, por que ela está tocando guitarra? Ouvi dizer que ela não toca mais piano, é verdade? Ela estava originalmente indo para a Faculdade de Música, certo? Por que ela se transferiu para cá?
— Não posso ser a pessoa a lhe contar tudo isso... — A expressão da senhorita Maki ficou séria imediatamente. — ...Além do quê, ela mesma não quer que ninguém saiba. Para ser sincera... eu acho melhor que ela não faça isso, mas no final, a decisão cabe apenas a Mafuyu.
Eu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo por aqui, e Mafuyu também não me explicou nada.
Por causa disso, o maior problema agora, era o que fazer quanto à sala. Se o caso fosse que o colégio descobriu que eu estava usando a sala sem permissão, e impiedosamente me banisse de usá-la para sempre, eu teria desistido imediatamente. Entretanto, se você quer que eu me sente perto de Mafuyu e escute os meus CDs enquanto ela toca a guitarra, não importa como, não há absolutamente nenhuma maneira que eu possa fazer isso!
— Por que você não tenta falar com ela, para ver se vocês dois podem dividir a sala?
— Mas ela estava tentando me bater até a morte com a guitarra quando tentei falar com ela!
— Você desiste muito rápido! Como um jovem pode ser assim?
Depois de uma súbita rodada de repreensão da senhorita Maki, finalmente tive permissão de sair da sala de preparação musical.
Quando as aulas acabaram Mafuyu desapareceu da sala em um instante. Desde que se transferiu para cá, seu paradeiro se tornou um dos maiores mistérios da Classe Três do Primeiro Ano.
— Seus sapatos ainda estavam na sapateira, então não acho que ela esteja indo direto para casa depois do colégio.
— Representante, quando você saiu do colégio ontem?
— Hmm... Por volta das cinco horas.
— Eu vi Mafuyu perto da sala dos professores.
A aula já estava para começar, mas Mafuyu não estava em nenhum lugar. Um grupo de garotas se juntou em volta de sua mesa (que é bem ao meu lado), e estavam trocando informações entre si. Parem de se intrometer na vida dos outros!
— Eu achei que ela gostava de desenhar já que escolheu belas artes como eletiva, então tentei convidar ela para o clube de arte... Mas ela fugiu depois de dizer algo estranho para mim. O que há com isso!
— Falando disso, essa garota não faz nada durante as aulas, certo? Tudo que ela fez foi abrir seu caderno de esboço e deixá-lo aí! Tem algo errado com a cabeça dela?
— Ela deveria simplesmente ter escolhido música. Ela também está causando vários problemas para os professores, né?
A opinião de todos sobre Mafuyu estava declinando ainda mais enquanto continuavam a falar, apesar de isso ser esperado.
— Pervertido, você sabe algo sobre ela?
Elas de repente me envolvem na conversa.
— Você pode, por favor, não se dirigir a mim dessa forma...
— Então que tal ‘Crítico Exclusivo da Mafuyu’?
— Uou, isso soa como um perseguidor.
— Também não quero isso.
— Então que tal se combinar ambos e ‘Crítico Pervertido’?
— Não vá combinando coisas aleatoriamente! — Graças a calunia infundada de Mafuyu, eu enfrentava uma crise em minha vida — só nos encontramos uma vez antes do colégio, então não sei nada sobre ela.
Qual é a desses olhares incrédulos!
O sinal começou a tocar, mas Mafuyu ainda não estava na sala, e Chiaki ainda não havia chegado também, como sempre. Parecia que ela praticava a bateria em algum lugar toda manhã. A vantagem de ser um baterista é a de poder praticar em basicamente qualquer lugar, desde que você tenha um par de baquetas, um metrônomo e algumas revistas.
No momento em que o sinal parou de tocar e o professor estava fechando a presença, a porta no fundo da sala abriu.
— Eu cheguei a tempo! Eu cheguei a tempo, certo? — Chiaki gritou enquanto corria para dentro da sala, e por alguma razão desconhecida, ela estava arrastando Mafuyu junto. A silenciosa Mafuyu mostrou uma expressão irritada, e largou a mão de Chiaki.
Mas nosso professor é bondoso e disse para elas: — Não marcarei falta para vocês, então se sentem imediatamente. — Se fosse só Chiaki, nosso professor provavelmente a teria marcado como atrasada sem hesitar.
— Foi mal, mas me empresta suas anotações um pouco. Vou copiá-las rápido.
Chiaki pegou meu caderno depois de se sentar.
Eu olhei para suas costas enquanto ela copiava furiosamente, e perguntei baixinho: — O que vocês duas estavam fazendo?
— Eu estava praticando no corredor do terceiro andar, e vi Mafuyu. Ela parecia perdida.
— Eu não estava perdida... — Mafuyu murmurou. Eu secretamente lhe lancei um olhar – ela parecia um pouco brava, e seu rosto estava bem avermelhado também. Isso quer dizer... Que essa garota realmente tem um senso de direção ruim? O colégio é bem grande, mas é muito ridículo se perder tentando achar sua sala de aula, certo?
— Fiz um desvio para a sala de música no meu caminho de volta...
— Ok, vou começar a aula, então vocês dois parem de conversinha. — O professor falou irritado, e nossos colegas deram um riso baixo.
A sala de música? Por que lá? Minhas duvidas restaram apenas por um breve momento, visto que o professor de repente me chamou para responder a uma das perguntas da nossa tarefa. Com isso, a única coisa em que pude me concentrar foi em pegar meu caderno de volta da Chiaki.
Como sempre, após a aula eu escapei das tentativas da Chiaki de me sequestrar para o clube. Desci para a livraria para devolver alguns livros que eu havia pegado, antes de ir em direção a sala abandonada atrás do prédio principal do colégio. Assim que passei pelo canto do colégio e vi a chaminé do incinerador, os sons baixos de uma guitarra elétrica chegaram aos meus ouvidos.
Vinha da sala que eu estava usando. E de repente pensei: eu deixei algum CD ainda tocando? Merda! Mas assim que me aproximei da porta e ouvi, percebi que não era esse o caso. De dentro da sala, vinha uma melodia que eu nunca ouvira antes, mas mesmo assim eu estava bem familiarizado com ela.
<Rapsódia Húngara No. 2>1 de Liszt
Esse é um solo extremamente difícil de piano. Durante a adorável friska, a melodia é acompanhada de notas que são tocadas repetidamente em uma velocidade extremamente
1 http://www.youtube.com/watch?v=z36aWM3jYT8
alta; além disso, o que eu ouvia era uma versão de guitarra2. O que é isso? Eu não tenho um CD tão incrível... Não, espera, isso é ao vivo – então tem alguém tocando isso agora, com uma guitarra elétrica ligada no amplificador que eu modifiquei.
Não pude evitar os arrepios que eu tive. É impossível que uma melodia como essa seja tocada por uma pessoa só, mesmo que essa pessoa tenha quatro mãos. Entretanto, a música que fluía para meus ouvidos vinha de uma única guitarra. Então que pessoa seria essa...?
Agarrei a maçaneta.
Então, o piano de cauda enterrado no depósito de lixo apareceu na minha mente.
Empurrei a maçaneta diagonalmente, e girei ao mesmo tempo. *Kacha*—ouvi um som metálico e abafado, e tive a sensação da tranca se desfazendo em minha mão. Assim que abri a porta, a música parou subitamente.
Mafuyu estava sentada na longa mesa e olhando para mim com uma expressão atônita. Sua guitarra envernizada quase escorregava de suas pernas. Imagino que minha expressão na hora fosse a mesma que a dela.
Por que... Mafuyu está aqui? Na minha sala (que estou usando sem permissão), e segurando uma guitarra? O que infernos está acontecendo aqui? Poderia ser que tudo desde meu encontro com ela nas férias de primavera havia sido um sonho—
— ...Por quê?
Mafuyu recobrou os sentidos um pouco mais rápido e falou primeiro. Dei um pequeno passo para trás em choque.
— Eh? Ah, não... espera, pare, você vai me matar se me bater com essa sua guitarra!
O rosto de Mafuyu estava totalmente vermelho, e ela balançou a sua pesada Stratocaster3 enquanto me caçava. Fechei a porta para escapar dela.
2 https://www.youtube.com/watch?v=etzfeuY5GWo
3 Meio óbvio pelo texto, mas é a guitarra na qual Mafuyu estava tocando. Fender Stratocaster, também conhecida como “Strato” no Brasil.
— ...Por que você está aqui? Pervertido! Perseguidor!
Os gritos de Mafuyu vinham pelos espaços da porta. Espera, eu que deveria estar perguntando isso!
— Eu tenho usado essa sala desde sempre, então por que você entrou por si mesma? — Apesar de eu também estar usando sem permissão...
— Eu... Eu consegui permissão da Senhorita Mukoujima antes de entrar.
— Eh?
Senhorita Mukoujima Maki, apesar de todos a chamarem de Maki. Ela é uma jovem professora de música que todos acham simpática e muito assustadora ao mesmo tempo. Entendo, então essa era a razão para ela ter ido à sala de música de manhã? Não, espera, por que lhe foi concedida permissão para usar a sala? Então isso significa que se eu tivesse pedido a professora por permissão também teria tido acesso a sala?
— Simplesmente vá embora!
Ela estava dizendo isso, mas eu já havia movido uma quantidade enorme dos meus CDs, consertado um amplificador de áudio, e até preparado algumas almofadas – gastei tanto esforço para tornar a sala o mais confortável possível! Mesmo que você queira que eu suma, você não poderia esperar que eu dissesse: “Tudo bem, que seja!” e fosse embora obedientemente!
— ... Eh, o que está acontecendo aqui? Por que a professora iria...
Ela não respondeu. Ao invés disso o som de uma garra gigante arranhando as paredes pôde ser ouvido – era o feedback da guitarra elétrica. Pare com isso, ou você vai quebrar o amplificador!
Tudo que pude fazer foi dar um suspiro e me afastar da porta da sala.
De volta ao prédio do colégio, uma súbita raiva cresceu dentro de mim enquanto andava pelo corredor. Aquele era claramente o meu território – ela veio depois, mas lá estava, sentada confortavelmente. Quem poderia aceitar isso? Se for esse o caso, eu vou reclamar com a senhorita Maki. Entretanto, a raiva já diminuirá quando me aproximei da porta da sala de preparação musical. Um pôster gigante de Ootsuki Kenji estava colado na porta deslizante – a professora Maki poderia ser fã da banda de rock Kinniku Shoujo Tai? E, está tudo bem ela colocar tal coisa abertamente na entrada da sala dos professores?
Tive uma competição de encarar com Ootsuki Kenji enquanto tentava me acalmar. Eu podia ouvir levemente o som relaxante de uma melodia da orquestra sinfônica praticando na sala ao lado – é uma música de fundo de um jogo de simulação <Pegue o Trem ‘A’>.4
Independente do que diga, você também usou a sala sem permissão — caso eu reclame para a Senhorita Maki, então só vou acabar entrando em confusão.
Mmm, mesmo assim, se você quer que eu simplesmente me retire assim, então—
— Sim? Procurando por mim?
Pulei de susto com uma voz que veio de repente de trás de mim, e minha testa bateu no rosto de Ootsuki Kenji. Virei-me e vi a Senhorita Maki atrás de mim com um pequeno sorriso no rosto. Ela estava usando uma blusa branca e uma minissaia—como ela é tão perturbadoramente compatível com esse tipo de traje, os estudantes a chamam de “Professora Erótica” em segredo. Ela é a razão pela qual os garotos do primeiro ano que escolheram belas artes ou caligrafias como eletivas vivam em remorso. Entretanto, após ir às suas aulas, eram os garotos que tinham escolhido música como eletiva que estavam ainda mais arrependidos agora.
— Eh? Ah, não.
— Está tudo bem, só entre. Eu estava pensando em tomar um chá. Gostaria de se juntar a mim?
Com isso, a senhorita Maki me arrastou para dentro da sala preparatória.
4 https://www.youtube.com/watch?v=XIIOZ9wv8g0
A sala de preparação musical é apenas a metade do tamanho de uma sala normal. Como há uma estante cheia de partituras, e também um piano vertical, o lugar estava bem apertado.
— Oh, a água quente está na chaleira, e os sacos de chá estão no armário. E, também corte um pedaço do bolo de mel enquanto você está fazendo isso.
Então você está delegando todo o trabalho a mim?
— Ah, só uma xícara de chá já está bom, e corte o pedaço de bolo em três.
— Eh? Senhorita Maki não vai querer?
— Do que você está falando? É para mim, é claro. Eu nunca mencionei algo sobre você receber algum.
O que mais eu posso dizer?
— Se você quer tanto assim beber chá, eu posso deixar você chupar naqueles sacos de chá usados e sem gosto.
Não obrigado. Ahh, quero ir para casa...
Senhorita Maki bateu nas minhas costas e disse que era só brincadeira. Finalmente consegui me sentar na cadeira depois de preparar as duas porções de chá e bolo. Então, a professora de repente disse,
— Você está aqui para falar sobre a sala de música, certo?
Quase cuspi meu chá.
— C-Como você sabia?
— Ara ara. Já sei de tudo. Como você tem usado a sala sem permissão por duas semanas; como você modificou o tocador de CD para poder usá-lo com um dispositivo de entrada externo; ou como você consertou os cabos de recepção do rádio... E como as almofadas são muito confortáveis de se sentar...
— Ahhhhhhhhhh.
Honestamente, eu estava considerando se devia simplesmente me esconder em baixo da mesa ou algo assim. Não, espera, se eu fizer isso, só vou ser trucidado pela senhorita Maki.
— Mas como você limpou o lugar muito bem, eu me fiz de cega. Por acaso, fui a única que percebeu.
— Desculpe desculpe, não farei isso de novo.
— Como Mafuyu pode usar a sala imediatamente do jeito que está, a hora foi perfeita.
Tirei meus braços, que estavam abraçando a minha cabeça e olhei para o rosto da senhorita Maki.
Ela disse enquanto ria — você está aqui para reclamar sobre isso, certo?
— Não... Não estou em posição para reclamar de qualquer forma.
— Está tudo bem por mim se você quer usá-la. Não posso lhe rejeitar depois de garantir permissão especial para Mafuyu. Vocês dois deveriam tentar se dar bem.
— Não, isso é bem impossível.
Falando sobre isso, eu estava totalmente confuso com a situação.
— Poderia ser que a senhorita Maki e Mafuyu já se conheciam?
— Sim. Fui aluna do pai dela e costumava tocar piano com Mafuyu o tempo todo.
A expressão da senhorita Maki foi levemente solitária.
— Quanto a Mafuyu... alguma coisa aconteceu, e ela acabou se transferindo para esse colégio. Ela então me disse que queria uma sala que pudesse usar sozinha. Isso é apenas a filha do diretor sendo teimosa, mas já que ela não está causando problema para ninguém...
— Entendo... — Então os professores já haviam dado seu acordo silencioso a isso.
— Então você pode usar a sala também, se você está disposto a dividir com Mafuyu.
Então no final, eu fui o expulso!
— Mas, por que ela está tocando guitarra? Ouvi dizer que ela não toca mais piano, é verdade? Ela estava originalmente indo para a Faculdade de Música, certo? Por que ela se transferiu para cá?
— Não posso ser a pessoa a lhe contar tudo isso... — A expressão da senhorita Maki ficou séria imediatamente. — ...Além do quê, ela mesma não quer que ninguém saiba. Para ser sincera... eu acho melhor que ela não faça isso, mas no final, a decisão cabe apenas a Mafuyu.
Eu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo por aqui, e Mafuyu também não me explicou nada.
Por causa disso, o maior problema agora, era o que fazer quanto à sala. Se o caso fosse que o colégio descobriu que eu estava usando a sala sem permissão, e impiedosamente me banisse de usá-la para sempre, eu teria desistido imediatamente. Entretanto, se você quer que eu me sente perto de Mafuyu e escute os meus CDs enquanto ela toca a guitarra, não importa como, não há absolutamente nenhuma maneira que eu possa fazer isso!
— Por que você não tenta falar com ela, para ver se vocês dois podem dividir a sala?
— Mas ela estava tentando me bater até a morte com a guitarra quando tentei falar com ela!
— Você desiste muito rápido! Como um jovem pode ser assim?
Depois de uma súbita rodada de repreensão da senhorita Maki, finalmente tive permissão de sair da sala de preparação musical.
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