O Desaparecimento de Suzumiya Haruhi [Download]
Tradução: kwijibo Revisão: GardenAll
Capítulo 4:
Acredito que todos os que já passaram por isso sabem o quão assustador é andar pela escola no escuro.
Carregava a minha blusa sobre os ombros enquanto lentamente me afastava da sala do clube. Como um ninja, tentei não fazer som algum enquanto descia as escadas. Toda a vez que me aproximava de uma esquina, observava a minha frente antes de avançar. E isso certamente era exaustivo! Não tinha idéia do que estava acontecendo no Colégio do Norte, mas aposto que seria problemático se fosse visto por algum professor de plantão. Não saberia explicar nada disso – de fato, gostaria que alguém me explicasse o que estava acontecendo!
Andei transpirando sob o ar úmido, até finalmente chegar ao salão de entrada.
“Bem, o que temos aqui...”
Após dizer isto, abri cautelosamente meu armário de sapatos. Dentro dele havia o calçado de outra pessoa – bem, pelo menos posso dizer que tenho quase certeza que aqueles não eram os meus. Rapidamente eliminei a possibilidade de alguém ter pego os meus sapatos por engano. Estávamos claramente no meio do verão, o que significa que muito possivelmente eu havia novamente saltado por entre as dimensões – fiquei bastante impressionado por ter desenvolvido este tipo de imaginação. Obviamente o dono deste armário não era eu, mas alguém deste mundo ou dimensão paralela. Não me surpreenderia se, na verdade, fosse outra versão de mim mesmo, porque já me acostumei com este tipo de idéia absurda, ou talvez eu esteja meio insensível a este tipo de hecatombe[1] cósmica.
1-[Nota do tradutor: Hecatombe (do grego antigo ἑκατόμβη, composto de ἑκατόν "cem" e βοῦς "boi") era o sacrifício coletivo de muitas vítimas (não apenas bovinas) na Grécia Antiga].
“Bem, não tem outro jeito.”
Acho que não seria muito legal ser visto andando com estes sapatos internos lá fora, porém, não me vejo com outra solução no momento. Minha prioridade era sair da escola o quanto antes. Como esperado, a entrada estava trancada neste horário, então, andei até uma janela próxima e a destranquei com cuidado. Lentamente inalei o ar quente de verão enquanto pulava da janela sobre o chão de concreto, onde Haruhi havia me acordado na vez em que ficamos presos naquele espaço restrito.
Por alguns segundos olhei ao meu redor, certificando-me que ninguém estava me vendo, e então continuei em frente.
Estava tão quente fora da escola quanto dentro dela. Era o típico calor quente e úmido do verão japonês. Como acabei de chegar de um inverno rigoroso, meu corpo reagiu exageradamente, e todos os meus poros se abriram simultaneamente. Limpei o suor do rosto com a manga da camisa e continuei em direção ao portão.
Foi fácil sair. Acho que devo agradecer a falta de segurança da escola – eu só precisei pular o muro e mais nada. Depois de atravessar para o outro lado, peguei o casaco que havia jogado de antemão, e observei o céu estrelado enquanto pensava no meu próximo passo.
No momento tudo que preciso saber é que dia e em que ano estamos. Afinal, há uma grande diferença entre estar no passado ou no futuro.
Antes de tudo, acho que deveria descer essa ladeira. Afinal, há um loja de conveniência no caminho. Se eu parasse na frente de uma casa qualquer e perguntasse, “Que ano e que mês é esse?” seria tratado como um maluco e trancafiado pelas autoridades
competentes. Melhor ir a algum lugar em que eu possa conseguir estas informações sem perguntar para ninguém.
“Mesmo assim, este lugar está quente como o inferno...”
Já sofria com o calor com o meu uniforme de inverno, agora até as minhas calças começavam a grudar nas pernas presas pelo suor. Neste momento sentia que o ódio pelo inventor destas estúpidas fibras sintéticas se intensificavam rapidamente, sem mencionar que esse uniforme nem mesmo nos deixa quente no inverno, só é desenhado para parecer bonito.
O fato de estar resmungando sobre estas coisas triviais significava que o meu cérebro começou a voltar ao normal. Ao invés de estar congelando no meio do inverno esperando a chegada da primavera, eu preferia reclamar sobre o quão quente é o verão estando embaixo de um ventilador. Além do mais, tenho muitas memórias sobre este meu primeiro verão no colegial, apesar de tudo ter sido tão exaustivo, tanto física quanto mentalmente. Agora que tudo passou, não parece ter sido tão ruim assim. Pelo menos consegui ver a Asahina-san de maiô. E acho que não tivemos nenhuma atividade similar da Brigada SOS no inverno.
Minha mente se ocupava com o gosto do ensopado que eu estava perdendo, enquanto caminhava colina abaixo. Depois de quinze minutos vi uma placa iluminada. Era a loja de conveniência que eu ocasionalmente passava no caminho para casa. Pelo menos agora eu sei mais uma coisa, ainda não é horário das lojas fecharem.
Mal conseguia esperar pelas portas se abrirem, e rapidamente olhei ao meu redor assim que entrei. Demorei alguns momentos para me acostumar com o ar condicionado. Neste meio tempo encarei cheio de expectativa o relógio pendurado na parede da loja.
Oito e meia.
Como o sol já se pôs, deve ser oito e meia da noite.
Mas e a data? E o ano? Haviam diversas revistas nas prateleiras, e acho que qualquer uma irá servir. Peguei aleatoriamente um jornal esportivo que estava na parte da frente do mostruário e analisei o seu conteúdo. Pouco me importa o que está escrito; mesmo nos mais estúpidos e fantasiosos tablóides de terceira, ninguém iria tão longe a ponto de mentir a data de hoje, ou iriam?
Meu olhar se fixou em um certo ponto da pagina, e então eu a vi.
Uma combinação de números que alguns considerariam como um bom presságio, entrou em meu campo de visão.
Mas em que ano estamos? Como se tentasse engolir aquelas folhas, me aproximei da pagina e olhei com cuidado o que havia sido impresso no cabeçalho. O atendente me olhava incomodado, mas eu não podia ligar menos para isso agora.
Olhei de novo e de novo para aqueles quatro dígitos.Subitrai o ano que eu parti – no meio de um gélido dezembro – para o ano que esta revista mostrava. Essa conta era tão simples que até uma criança conseguiria resolver.
“Então é isso Nagato...”
Levantei a minha cabeça do jornal e suspirei profundamente olhando para o teto.
O alegre e romântico festival de Tanabata.
Hoje é dia sete de julho de três anos atrás.
Tanabata, três anos atrás... o que mais aconteceu nesse dia?
O Tanabata “deste ano” havia sido como uma rapsódia bem orquestrada; após escrever os nossos desejos e os pendurar nos galhos de bambu, aceitei o convite de Asahina-san para viajar no tempo, posteriormente encontrando sua versão adulta que me conduziu para a escola do leste naquela fatídica noite. Então, encontrei-me com uma Haruhi na sétima série que pulou os muros e me obrigou a ajuda-la a escrever uma mensagem para o espaço cósmico no campo da escola com giz branco.
Após isso, levei Asahina-san (pequena), que havia perdido seu dispositivo de viagem no tempo, o chamado TPDD, para a casa de Nagato, um apartamento de alto nível, onde nos dois dormimos por três anos, nos permitindo a voltar de onde viemos...
“O que só pode significar que...”
Isso é ainda mais fácil do que aquele patético problema de matemática. Tudo que eu precisava fazer era seguir meus passos dados naquele dia. Bem, é isso, isto deve ser o que falta para restaurar o meu mundo distorcido de volta ao normal.
Bem, pelo menos é como deveria ser, não é?
Minhas pernas tremiam com força, não era medo, mas a excitação de perceber que havia algo muito importante a ser feito.
Três anos atrás. Tanabata. A Escola Ginasial do Leste. Os símbolos misteriosos. John Smith.
Todas as peças do quebra cabeça pareciam estar se juntando, e uma conclusão estava se formando em minha mente. Era o tipo de raciocínio simples e claro que eu estava esperando. Como um mantra[2], repeti a mesma frase outra vez.
2-[Nota do tradutor: Hecatombe Mantra (do sânscrito Man mente e Tra alavanca) é uma sílaba ou poema religioso normalmente em sânscrito].
“O que só pode significar que...”
“Elas” estão “aqui”.
A sedutora e charmosa Asahina-san (grande), e a Nagato Yuki em modo de espera.
As duas pessoas mais úteis que eu poderia encontrar neste período de tempo estavam por perto.
Joguei o jornal para longe e corri para fora da loja de conveniência, tentando organizar os meus pensamentos enquanto caminhava.
Lembro-me da primeira vez que vim a esse tempo, o que está acontecendo agora, na verdade. Asahina-san me acordou em um banco no parque próximo a estação e me disse que “Eram umas nove horas.” Se eu correr nesta meia hora que me resta, eu vou alcançá-la a tempo. O único problema será se quem quer que seja o culpado tenha alterado coisas neste período de tempo, se existem mudanças, eu posso acabar não encontrando comigo mesmo. Em todo caso, tenho de contatar Asahina-san (grande) ou Nagato em seu apartamento, o ideal seria fazer os dois. A questão seria o que devo fazer primeiro, já que tenho mais de uma opção.
Não acho que Nagato vai sair do seu apartamento, enquanto só conseguirei encontrar Asahina-san em um tempo e lugar específicos. Acho que nesse caso a escolha é clara.
Vestida como uma professora elegante, esta Asahina-san adulta foi uma das pessoas que me deu uma pista relativa a “Branca de Neve” e rapidamente desapareceu, voltando para um futuro ainda mais distante do que o da Asahina-san que eu conheço. A imagem dela
sorrindo enquanto aperta o rosto da sua versão mais jovem ainda é fresca em minha memória.
Essa Asahina-san deve saber quem eu sou, não tenho dúvidas disso.
Mesmo que o parque fosse próximo à estação de trem, mal haviam pessoas passando por lá. Acho que você deve culpar o horário, afinal é o período de dia mais propício para todo o tipo de gente suspeita e estranha sair por ai. Esta é a meca dos anormais... sinto que pensei em algo parecido quando vim para cá durante o Tanabata.
Não acho que é uma boa idéia fazer uma entrada grandiosa, então andei devagar no meio da escuridão, escorado ao lado do muro que separa o parque da rua. Apesar de chamar de muro, esse negócio não tem a altura da minha cintura, com um canteiro cheio de arbustos no topo. Era extremamente fácil caminhar sem ser visto durante o dia nesse lugar, à noite e sozinho era uma tarefa ainda mais simples. Mesmo assim, precisava ter cuidado com qualquer pedestre que me dirigisse olhares suspeitos pelas costas.
Esforcei-me para lembrar a posição do banco em que eu havia acordado daquela vez, para então sorrateiramente me posicionar no lugar ideal de vigília.
Eram quase nove horas.
Acho que isso pode ser considerado voyeurismo[3]. Depois de esticar minha cabeça para fora dos arbustos, finalmente vi o que queria ver.
3-[Nota do tradutor: Voyeurismo é uma prática que consiste num indivíduo conseguir obter prazer sexual através da observação de outras pessoas].
“... é isso mesmo.”
É estranho me ver assim, até parece um daqueles sonhos onde você se vê em terceira pessoa, ou quando você assiste um vídeo com você mesmo.
“Mas como eu posso explicar isso...”
O banco que eu procurava apareceu iluminado pelas luzes dos postes. Mesmo estando meio longe eu não poderia estar errado. As duas pessoas ali, vestindo os uniformes do Colégio do Norte, eram exatamente quem eu estava esperando.
O meu eu do passado e Asahina-san estavam sentados bem ali.
“Eu” estava deitado no colo de Asahina-san, dormindo como um bebê. Estaria mentindo se dissesse que estava sonhando algo que não fosse suficientemente empolgante para me fazer babar. Se uma pessoa não consegue ter bons sonhos com o travesseiro mais precioso do mundo, possivelmente não conseguiria dormir em paz de jeito nenhum.
Sendo usada de travesseiro, Asahina-san ocasionalmente me olhava dormindo em seu colo, ou sussurrando em meu ouvindo, ou me cutucando. Estou ficando com ciúmes... espera, porque diabos eu ficaria com ciúmes de mim mesmo?
Por um momento, realmente desejei enxotar o outro eu de lá e tomar o seu lugar, mas no fim das contas resolvi segurar o impulso. O “eu” deste tempo não me viu da última vez, então se fizer uma besteira, é possível que as coisas se compliquem, não é? O continuum espaço-tempo já está o suficientemente bagunçado sem as minhas intervenções.
Segurando a impulsividade irracional do meu corpo, continuei apenas como um observador. Quanto mais eu penso sobre isso, mais admirado eu fico por ter mantido tamanho autocontrole em uma situação destas.
Enterrado sob estes pensamentos, continuei a observar. Asahina-san movimentou seus lábios vermelhos e murmurou alguma coisa; e “eu” que dormia em seu colo, me mexi
levemente e acordei lentamente. De onde eu estava, não consegui ouvir nada, mas lembro-me vagamente de ter ouvido Asahina-san dizer, “Ah, você acordou?”
Depois de conversar um pouco com Asahina-san, ela se sentiu cansada e deitou a cabeça em “meu” ombro.
O arbusto detrás do banco farfalhou, e aquela pessoa apareceu.
Com uma blusa de mangas compridas e uma minissaia, ela usava uma roupa professoral que eu nunca conseguiria esquecer.
Ainda antes do fim de maio, ela havia deixado um recado para mim para nos encontrarmos, e então me deixou uma pista sobre a branca de neve. Ela até me contou sobre a pinta em forma de estrela. Neste dia, durante o Tanabata, ela fez Asahina-san (pequena) adormecer, e então que guiou até Haruhi antes de sumir sem deixar rastros.
A versão adulta de Asahina-san.
Seu corpo e altura haviam crescido com o passar dos anos. Vinda de um futuro ainda mais distante de Asahina-san, não era ninguém além de Asahina-san (grande).
Era como daquela vez.
Era verdade, tudo está acontecendo exatamente como da última vez em que me vi no Tanabata de três anos atrás.
Depois de conversar “comigo” por um tempo, Asahina-san (grande), se abaixou para abertar a bochecha de Asahina-san (pequena) e acariciou seu corpo, se levantando e dizendo algo para “mim” novamente.
Era a missão dela trazê-lo aqui, e deste ponto em diante, a missão de guia-lo é minha.
Uhm... mas o quê...
Era algo assim que eles estavam falando.
Depois de explicar tudo para um surpreso “eu”, Asahina-san (grande) virou-se para trás e desapareceu em meio à escuridão. Agora percebo que ela foi para o lado oposto da Escola Ginasial do Leste.
“Eu” permaneci ali embasbacado, encarando a sonolenta Asahina-san (pequena) e certamente pensando em alguma bobagem, apesar de não me lembrar do que estava pensando naquela hora. Desisti de forçar a minha memória depois de alguns segundos, não tinha tempo a perder e não queria perder o rastro de Asahina-san (grande).
Corri para fora dos arbustos onde eu estava me escondendo, e rapidamente me esgueirei pelas bordas do parque. Não havia porque esconder a minha presença, pois quando era "eu" naquela situação, certamente não havia percebido que havia alguém ali. Naquele momento a "minha" atenção não estava fixa naquele outro "eu" de outro tempo, para falar a verdade, nem ao menos tinha idéia de que havia algo assim acontecendo. O que fazia sentido, "eu" nunca teria entendido o quão conturbado ficou o continuum espaço-tempo em minha linha de tempo original. Não havia nenhum motivo para ter cuidado "comigo" que carregava Asahina-san nas costas, esta era uma preocupação grande demais para "me" distrair. Assim, resolvi ir embora.
Atravessando mais uma esquina, eu a vi há uns cem metros de distância. Ela caminhava em minha direção, embalada pelo melódico som dos seus saltos batendo pela calçada. Ela não parecia estar com pressa - ao contrário de mim, que certamente estava desesperado para vê-la. Se eu perdesse o seu rastro me sentiria um bocado frustrado com todos os problemas que passei para chegar até aqui
Apressando os meus passos, encurtei a distância entre nós. Sob as luzes fracas dos postes, seu cabelo parecia reluzir. Mesmo que só pudesse ver as suas costas, tinha certeza de que era ela.
Não demorei muito para alcança-la, e chamei pelo seu nome,
"Asahina-san!"
Ela parou. O som suave dos seus sapatos de salto alto golpeando o chão foi engolido pelo silêncio da noite. Seus cabelos castanhos se agitaram, e como se estivesse em câmera lenta, ela se virou para mim.
O que será que ela iria me dizer?
Huh? Não nos despedimos agora a pouco?
Você me seguiu até aqui? Não pode ser.
Ei, onde é que está o outro eu?
No fim, não era nada disso.
"Boa noite, Kyon-kun."
Com o seu lindo rosto, exatamente do jeito que eu me lembrava, ela me cumprimentou com um sorriso radiante.
"Quanto tempo. Quer dizer, para 'você'."
Asahina-san piscou para mim. Era o mesmo sorriso que havia visto faziam uns cinco meses.
Com uma expressão aliviada, Asahina-san (grande), falou comigo.
"Graças a Deus que conseguimos nos encontrar aqui. Estava preocupada com algum erro que eu pudesse ter cometido."
"Sabe, eu ainda sou um pouco desastrada." - Asahina-san falou com timidez e colocou sua língua para for a, com ternura. Era o tipo de movimento charmoso o suficiente para amolecer todos os ossos de dentro do corpo de alguém, mas não podia me dar a este luxo. Se me derretesse em uma pilha de lama agora, colocaria tudo a perder.
Essa Asahina-san já sabia o que devia ser feito
Esforçando-me ao máximo para manter o controle de minha língua, que parecia ter uma mente própria, falei a ela.
"Asahina-san, você sabia que eu viria até aqui... que eu retornaria a este tempo e a este lugar, não é?"
"Sim," - ela respondeu com um menear de cabeça, - "este era um fato predeterminado,"
"Naquele dia de Tanabata, a pequena Asahina-san iria me trazer até o Tanabata de três anos atrás… ou seja, hoje. Você é quem acertou as coisas para que ela me levasse para cá, certo?"
"Sim, esse era um requisito. De outro modo, você não estaria aqui agora,"
Se eu não estivesse ido até a Escola Ginasial do Leste e rabiscado aquelas mensagens no chão, não teria falado para a Haruhi da sétima série sobre "John Smith". E é claro que isso significaria que a Haruhi, que estuda no primeiro da Kouyouen, nunca teria ouvido falar daquele nome. Em outras palavras, não teria encontrado a chave. Afinal, sem
este nome não teria ligação alguma com a Haruhi que encontrara a poucas horas atrás. Como resultado, nós cinco não teríamos nos reunido na sala do clube, e o programa de escape de emergência não teria sido ativado.
Nesta hora uma questão surgiu em minha mente. O outro John Smith... será!?
"É você Kyon-kun. O atual você."
Asahina-san (grande) me deu um sorriso lindo como um botão de rosa,
"É cansativo conversar assim, vamos encontrar um lugar para nos sentar. Ainda temos tempo,"
O poder em suas palavras e em seu sorriso foi grande o suficiente para dissipar toda a ansiedade e confusão que eu carregava.
Se Asahina-san (grande) estava aqui, significava que o futuro ainda existia. Não o futuro caótico pós 18 de dezembro, mas o futuro de que eu, Haruhi e Asahina-san viemos. Então deve haver uma solução.
Esta confiança crescente me aliviava um pouco. Colaborando para amplificar este sentimento, ela continuou,
"Por enquanto, é minha missão o guiar. Mas depois disso você vai estar por sua conta. Eu irei apenas seguir a sua liderança,"
Ela então me deu uma piscadela que foi o suficiente para enfraquecer os meus joelhos.
Retornamos ao parque e nos sentamos no banco em que Asahina-san (pequena) e "eu" estávamos até pouco tempo. Antes de se sentar, Asahina-san (grande) olhou para o banco e o acariciou como se fosse uma relíquia ancestral. Eu gradualmente me sentei, também com um rosto sério. O banco ainda estava quente, era o meu calor e o de Asahina-san, que cinco meses atrás viajaram para três anos no passado.
Perguntei rapidamente,
"Aconteceu algo com o fluxo do tempo? Eu sei que o período de tempo de que vim está ligado a este Tanabata. Se não fosse o caso não teria chego até aqui. Então, Asahina-san… isso significa que o futuro de que você vem e o meu futuro alterado não são conectados?"
"Eu não posso explicar os detalhes,"
Achei que isso iria acontecer, é uma daquelas informações confidenciais, é?
"Não é isso,"
"Eu simplesmente não conseguiria colocar as coisas de um modo que você iria compreender. A nossa teoria de STC é construída sobre certos conceitos específicos. É complicado colocar as coisas de forma compreensível para você. Você ainda se lembra daquilo que eu disse para você sobre o tempo durante o nosso primeiro encontro quando eu revelei a minha identidade?"
Claro que sim, sentado ao lado do rio com as pétalas de cerejeira flutuando pelo ar, ouvi Asahina-san, que até então havia sido apenas uma veterana bonitinha, revelar a chocante verdade sobre ser uma viajante do tempo.
"Naquela situação eu não havia dito algo que você mal conseguiu entender? Este é o caso. Se eu explicasse, você poderia ficar ainda mais confuso,"
Asahina-san (grande) suavemente deu uma pancadinha ao lado de sua cabeça, com uma piscadela simultânea para mim. Cada coisa que ela fazia era tão sedutora.
"É um conceito que não pode ser explicado com palavras. Só poderia ser corretamente compreendido de outras formas. Você entendeu?"
Não. Isso era como tentar ensinar calculo para uma criança de primário. Asahina-san continuou a explicar as coisas para mim, que já estava ficando um pouco tonto.
"Uhm, mas em breve você vai entender. Você vai, e é só isso que eu posso te dizer por enquanto."
Você vai entender em breve? Onde é que eu ouvi algo assim antes? Foi Nagato, ela quem me disse a mesma coisa há algum tempo... espera um pouco.
Um lampejo de inspiração percorreu a minha mente, e não pude evitar de ter a seguinte reação,
"Antes das férias de verão... quando Nagato mencionou algo assim durante o incidente do grilo gigante... como os computadores do futuro não eram como são hoje, será que poderia ser algo assim?"
"Impressionante. Você ainda se lembra disso? Você está certo, o equivalente aos computadores, ou a chamada internet nesse período de tempo, uhm... não existe em um senso material em nosso período de tempo, mas existe em uma forma etérea em nossas mentes. O TPDD é algo assim também."
O objeto que não deveria desaparecer, mas acabou se perdendo
"Isso é um instrumento de viagem no tempo?"
"É um Instrumento de Destruição de Plano Temporal[4]."
4-[Nota do tradutor: no originla, Temporal Plane Destruction Device].
Isso não devia ser uma informação confidencial!?
"Bem, era confidencial até pouco tempo. Mas as regras relaxaram bastante para mim. Só o fato de estar aqui significa que estou trabalhando bastante."
Asahina-san estufou o peito com orgulho, os botões de sua blusa quase se soltaram com o ato. Assim, uma proporção física praticamente impossível despontou em minha frente. Normalmente eu ficaria pasmo com esta visão, mas infelizmente, não estava com ânimo para apreciar tal cena e não pude saciar o apetite dos meus olhos. Continuei, então, a perguntar.
"E qual é a causa disso? Sei que o futuro de que vim mudou, mas quando exatamente isso aconteceu?"
"Para ter mais detalhes, é melhor perguntar para Nagato-san, a que reside neste período de tempo. Só posso dizer uma coisa: a mudança no plano temporal de que você veio ocorreu três anos 'no futuro', na manhã do dia 18 de dezembro."
Para mim, isso tinha sido há três dias. Então foi o plano temporal que mudou? Neste caso... novamente me esforcei para lembrar os dos cenários que Koizumi havia proposto. Significa que a teoria de um universo alternativo está incorreta.
"Exatamente. De um dia para outro, os arquivos de STC... quer dizer, o mundo todo mudou. Apenas as suas memórias permaneceram intactas. Foi um terremoto temporal imenso, detectado até mesmo de um futuro distante,"
Não estava exatamente desinteressado sobre o que seria um STC ou um terremoto temporal, só que não havia tempo para questionar sobre estas coisas irrelevantes, acho que tinha questões mais urgentes para se lidar.
"Asahina-san, você estava esperando aqui por que precisa resolver toda essa mudança temporal gigantesca?"
"Não vou conseguir consertar isso sozinha," - seu rosto adquiriu um tom sombrio - "vou precisar da ajuda de Nagato-san. É claro que precisaremos de você também, Kyon-kun,"
"Quem é o culpado? Só consigo pensar em Haruhi fazendo algo assim,"
"Não."
Asahina-san relutou, e com um rosto sério ela falou,
"Não foi Suzumiya-san. O culpado é outra pessoa,"
"É algum novo elemento desconhecido? Algum slider de fora desse mundo que eu ainda não conheci ou algo assim?"
"Não,"
Interrompendo-me, Asahina-san respondeu com um rosto cheio de preocupação,
"Pelo contrário, é alguém que você conhece muito bem."
Olhando para o seu relógio, Asahina-san (grande), disse-me que ainda tínhamos tempo, então começamos a conversar nostalgicamente sobre nossas memórias da Brigada SOS. Para mim, eram coisas que haviam acontecido durante o ano, mas para ela, já havia sido há muito tempo. Ser arrastada para a sala do clube, forçada a se vestir de Bunny-gal, fazendo desejos no festival de Tanabata, encontrar com um mistério em uma ilha solitária, vestir yukatas no Festival O-bon, reunir toda a brigada para terminar o dever de casa de verão, todas aquelas coisas estranhas que aconteceram durante as filmagens do nosso projeto do festival cultural... minhas memórias começaram a ser lentamente rebobinadas. A voz de Asahina-san se tornou cada vez mais lenta.
Estava esperando que ela cometesse algum deslize e acidentalmente me dissesse como seria o meu future, mas Asahina-san era extremamente cautelosa, e tentou conter o tópico dentro destas amenidades.
"Pode ter sido difícil algumas vezes, mas no fim, foram ótimas memórias."
Após fazer esta constatação conclusiva. Asahina-san se manteve quieta e me encarou um pouco.
Queria comentar algo para quebrar este silêncio constrangedor, mas fui surpreendido por algo quente e macio pousando em meu ombro. Era a cabeça de Asahina-san. O que diabos isso significa? O peso de seu corpo se apoiando sobre mim valia uma fortuna - a fragrância e o calor estimularam os meus nervos, ativando todo o tipo de pensamentos selvagens em meu cérebro, simplesmente não conseguia pensar em mais nada. O que ela queria me transmitir com o aroma do tecido de sua blusa? Ela queria que eu dissesse alguma coisa? Fechando o seus olhos e colocando seu rosto em minha direção, Asahina-san (grande), permanecia silenciosa, mesmo assim conseguia sentir os seus lábios vermelho-cereja se movendo. Ela parecia estar sussurrando alguma coisa, o que seria?
Será que... comecei a navegar pelos mares da fantasia novamente. Será que Asahina-san adormeceu também, só para que outra Asahina-san aparecesse e me falasse sobre algo enigmático também? Mesmo assim, permaneceria ali para sempre, conhecendo numerosas Asahina-san de diversos períodos temporais... droga, minha cabeça está rodando em círculos, como se estivesse dentro de uma gigantesca máquina de lavar. No que é que eu estou pensando!? Alguém pode me dizer?
Ela ficou assim por mais um minuto ou dois
"Hee hee."
Como se pudesse ler a minha mente, ela sorriu e me disse,
"Já está na hora. Vamos."
Ela se levantou como se nada tivesse acontecido, o que era uma pena. Não tive muitas opções se não voltar aos meus sentidos. Ela está certa, é hora de irmos embora. Uhm... para onde?
Nosso segundo destino.
Eram dez horas no relógio de Asahina-san, um pouco depois da hora em que "eu" completei meu papel como cúmplice de Haruhi na pichação do campo de corrida da escola do Leste. Era a hora que "eu" acompanhei uma soluçante Asahina-san para dentro do apartamento de Nagato. A hora em que o tempo parou para "mim".
Era hora de outra visita a Nagato.
"Mas antes disso,"
Asahina-san me deu um sorriso comovente,
"Não tem alguma coisa que você deveria fazer primeiro?"
Era uma pequena distância do parque, até uma área residencial.
Seguindo as orientações da viajante temporal, entrei em uma ruela.
Seguindo por um caminho escuro, estava uma figura pequenina correndo como o vento. Com seu pequeno par de braços e pernas saindo pela camiseta e pelos shorts, ela se movia cada vez mais longe com seu cabelo flutuando pela noite.
"Ei!"
Ela moveu a sua cabeça em minha direção. Depois de me certificar que estava prestando atenção em mim, coloquei as mãos ao redor da boca, e gritei a plenos pulmões,
"Por favor, lembre-se bem de John Smith, que vai sacurir o mundo!"
Após me dar uma espiada rápida, a estudante me deu as costas visivelmente irritada, e marchou em frente.
Ela deve estar achando que vai me encontrar se for ao Colégio do Norte, então não hesitou em ir embora. Olhando para aquele cabelo escuro e comprido, eu adicionei silenciosamente,
"Por favor, não se esqueça disso, Haruhi. Você precisa se lembrar do nome John Smith..."
Rezei do fundo do meu coração, para esta Haruhi de 12 anos, que ainda continuaria a ser uma garota problemática nos dias que viriam. Por favor, não esqueça que eu estive aqui.
Conhecia o caminho para aquele conjunto de apartamentos de alto nível como a palma da minha mão, então não duvido que acabaria chegando lá mesmo de olhos vendados. Caminhava um pouco a frente de Asahina-san (grande), que de algum modo tentava se esconder em minhas costas.
"… Kyon-kun, eu tenho um favor para pedir."
Visto que ela estava praticamente me implorando, não havia razão para negar qualquer coisa. Não importa de que período ela seja, eu não seria insano o suficiente para não realizar qualquer pedido de Asahina-san.
"Me desculpe, mas mesmo agora ainda fico meio desconfortável perto de Nagato-san..."
Isso me lembra que Asahina-san (pequena) sempre fica assim quando está no clube, e não foi muito diferente em nossa última visita. Além de Haruhi, a única outra pessoa que mantém a compostura perto da alienígena era Koizumi.
"Tudo bem, eu entendo."
Disse isso em um tom apaziguador enquanto digitava o número 708 no teclado próximo a entrada, então apertei o botão da campainha.
Segundos depois, o interfone estalou com um ruído mecânico, indicando que havia alguém na linha.
Fui recebido com silêncio, então resolvi tomar a iniciativa.
"Nagato, sou eu."
Silêncio.
"Desculpe, não sei como explicar como as coisas chegaram a este ponto. De todo modo, estou de volta do futuro. Asahina-san também está comigo, quer dizer, a sua versão adulta. Sua versão diferencial temporal variante, se preferir."
Silêncio.
"Precisamos da sua ajuda. Afinal, quem me jogou neste período de tempo foi você."
Silêncio.
"Tanto eu como Asahina-san estamos e seu apartamento, certo? Dormindo no quarto de visitas congelado no tempo..."
Beeep. A porta se abriu.
"Entrem."
A voz de Nagato era tranquilizadora. Calma como sempre, sem nenhum tom de nervosismo ou depressão, mesmo assim ela parecia estar um pouco surpresa, ou talvez tenha sido só impressão minha. Confio em Nagato, não existe nada impossível para ela. Mesmo nessa situação desesperadora, ela será capaz de encontrar uma saída, caso contrário, estaremos perdidos.
Como se entrasse em uma fortaleza proibida. Asahina-san segurava o meu cinto com seus dedos e um olhar nervoso no rosto. Após a porta metálica se abrir, o elevador começou a subir uma vez que estávamos dentro dele.
Finalmente, chegamos a familiar porta do apartamento 708.
Havia uma campainha, mas não estava funcionando ainda, então bati suavemente na porta. Não sentia ninguém do outro lado, mas mesmo assim, ela se abriu lentamente.
" ... "
Aquele rosto sereno olhou por entre a fresta em minha direção, então se moveu para Asahina-san (grande), e de volta para mim.
" ... "
Silenciosa e sem expressão, ela era tão ausente de emoções que eu realmente gostaria de implorar para que ela dissesse algo para mim. Realmente essa era a Nagato, sendo mais preciso, a Nagato Yuki que eu conheci primeiro. A alienígena original que eu havia encontrado no início da primavera. Aquela que havia "me" ajudado, "três anos atrás".
"Podemos entrar?"
Depois de um denso silêncio, Nagato balançou a cabeça alguns poucos centímetros, virando-se para dentro de seu apartamento. Acho que vou tomar isso como um "sim". Disse para a bela mulher atrás de mim que esperava com um olhar acuado.
"Vamos, Asahina-san."
"Er... você está certo, eu vou ficar bem."
Isso mais soava como um mantra que ela recitava para si mesma.
Falando nisso, quantas vezes eu já visitei este lugar? De acordo com o meu relógio biológico esta seria a quarta vez, mesmo que cronologicamente esta seja apenas a segunda. Já estava tão confuso com a ordem temporal que me surpreendia com o fato da minha noção de tempo ainda estar funcionando. Havia saltado do inverno para o verão, e depois arremessado três anos de volta no tempo, duas vezes. Acho que o normal seria que algo ruim acontecesse comigo como consequência, mesmo assim, estou me sentindo bem. Sem mencionar que no atual momento a minha mente está mais afiada do que nunca. Talvez tenha me acostumado tanto com estas experiências bizarras que tomei isso como o normal. Se fosse outra pessoa, possivelmente já teria entrado em parafuso.
O aparamento deserto de Nagato era tão frio quanto eu me lembrava. Não era nem um pouco diferente da última vez que havia passado por aqui.
Era tranquilizador saber que Nagato era a mesma de que eu me lembrava. Ainda inexpressiva e soturna, ela não se assustaria com nada que pudesse acontecer, a nossa alienígena sempre confiável.
Tirei os meus sapatos e atravessei o corredor estreito até chegar a sala de estar. Nagato estava ali nos esperando, parada ali, sozinha, nos observando em silêncio. Mesmo que ela tenha se surpreendido com a nossa visita, não era algo que pudéssemos constatar apenas a observando. Talvez tenha se acostumado comigo a visitando do futuro, apesar disso, não posso dizer que é o tipo de coisa que eu gostaria de repetir.
"Acho que podemos pular as apresentações."
Nagato sentou-se, eu e Asahina-san permanecemos de pé.
"Essa é a versão adulta de Asahina-san, acho que vocês já se conhecem," - quando disse isso, lembrei-me que isso havia acontecido três anos no futuro - "Desculpe, quer dizer, vocês ainda vão se encontrar. Enfim, essa daqui é Asahina-san também, não pense muito no caso."
Nagato olhou para ela com os olhos afiados de um fiscalizador do exame nacional de matemática. Sua visão vagueou pela sala antes de se fixar novamente na figura sexy atrás de mim, então ela concluiu,
"Entendido,"
Ela meneou de leve, seu cabelo mal se moveu com o movimento.
Enquanto seguia o olhar de Nagato, notei a existência daquele lugar - a sala especial adjacente a sala de estar, separada por uma fina porta de correr.
"Ela pode ser aberta?"
Nagato virou o seu rosto para o quarto que eu apontava e disse,
"Negativo. Toda a composição estrutural do aposento está congelada no tempo."
Senti uma leve pontada de pena e tranquilidade ao ouvir aquilo.
Senti uma brisa quente roçando no meu pescoço, era um suspiro de alívio. Ela devia estar pensando na mesma coisa que eu. O que ela pensaria ao ver a sua versão mais jovem dormindo tranquilamente comigo no mesmo quarto? Gostaria de descobrir, mas acho que temos coisas mais importantes com o que lidar.
"Nagato, me desculpe por aparecer tão repentinamente. De todo modo, você pode ouvir minha história?"
Quanto será que "eu" já contei a ela? A história da Brigada SOS até o Tanabata, não é? Bem, vamos continuar deste ponto em diante, explicando sobre as coisas que aconteceram na segunda metade do ano, da melancólica primavera, onde tivemos de lidar com o tédio de Haruhi, até os incessantes suspiros que aquela filmagem me trouxe. É claro que você também estava lá, Nagato. Você sempre veio nos salvar. Quando todo o mundo mudou repentinamente e eu queria saber o motivo de todos terem perdido suas memórias, foi para cá que eu fui mandado pelo programa de emergência que você me forneceu.
Sei que isso vai tomar algum tempo se eu me prender a detalhes, então recitei a mesma versão condensada que trouxe até Haruhi. Pulei todas as pequenas minúncias e só forneci o importante contexto da história. Acredito que para ela, isso seja mais do que o suficiente.
"... então é isso. Mais uma vez eu estou aqui, graças a você."
Havia uma evidência mais importante que qualquer prova testemunhal. Tirei o marcador de páginas amassado do meu bolso e o entreguei a Nagato, como se deixasse um feitiço poderoso nas mãos de um fantasma.
" ... "
Ela pegou o pedaço de papel com a ponta de seus dedos. Ignorando os padrões florais, seus olhos se fixaram no texto impresso no verso, como um arqueólogo que acabou de encontrar uma televisão de LCD dentro de uma rocha do período cretáceo. Se eu não agisse, ela poderia continuar examinando aquilo para sempre, então resolvi intervir.
"O que nós devemos fazer agora?"
"Eu... eu quero consertar essa anomalia temporal,"
A voz de Asahina-san (grande) soava tão nervosa quanto a de uma garota confessando seu amor para o seu príncipe encantado. Ao lado de Nagato, Asahina-san continua tão insegura quanto sempre foi. Pelo menos é o que aparenta.
"Nagato-san... você pode nos ajudar? Você é a única pessoa que pode restaurar o plano temporal para seu estado original. Estou implorando..."
Asahina-san colocou suas mãos juntas e fechou os olhos como se adorasse uma divindade. Oh grande deusa Nagato, também oro para que você derrame sua piedade sobre nós. Por favor, permita-me voltar para a sala do clube onde consigo apreciar a beleza de Asahina-san e também o chá que esta produz, onde enfrento Koizumi em diversos jogos de tabuleiro e onde a observo lendo como uma reluzente estátua de mármore, apenas esperando pelo fatídico momento que Haruhi entra na sala. É apenas isto que eu desejo.
" ... "
Nagato levantou seus olhos, e olhou fixamente para o céu. Entendo porque Asahina-san está tão nervosa, sendo de uma facção diferente de Nagato, não há chance de vitória. Quer dizer, quem neste mundo poderia lutar contra ela? Só Haruhi, eu acho...
O apartamento tinha uma acústica perfeita, e nenhum eco se propagava pela sala. Estava tão silencioso que o tempo parecia ter parado. Nagato e eu trocamos olhares, e eu a vi mexer alguns centímetros com a cabeça.
"Deixe-me confirmar."
Quando eu estava para perguntar o que exatamente ela iria confirmar, Nagato fechou os olhos.
" ... "
Logo depois ela reabriu as suas pálpebras, me encarando com aqueles olhos escuros como pedras de obsidiana.
"Incapaz de sincronizar."
Ela disse, rapidamente, e continuou a me olhar. Sua expressão havia alterado-se um pouco, e não era eu imaginando coisas. Era a mesma expressão que ela ostentava durante o verão, quando até mesmo Koizumi conseguiu perceber a diferença. Desde o dia que nos conheceu, a expressão de Nagato veio mudando gradualmente, mesmo assim, essa ainda não era a Nagato que tínhamos no inverno.
Seu lábios de um vermelho pálido se moveram novamente,
"Não consigo acessar a minha variante temporal do período especificado, pois ela levantou uma barreira protetora que seletivamente bloqueia as minhas tentativas de acesso."
Mesmo sem entender o que isso significava, me senti bastante desconfortável. Quer dizer que não há nada a ser feito?
Nagato ignorou os meus temores e continuou,
"De todo modo, tenho um panorama da situação. É possível efetuar a restauração."
Nagato tocou suavemente as palavras escritas no marcador. E então começou a explicar a situação com uma voz que gradativamente agregava palavras como uma monstruosa bola de neve.
"A conversão temporal tirou proveito das habilidades de Suzumiya Haruhi de criar dados, para alterar parte das informações deste mundo."
Sua voz era calma e soava tão serena quanto a de uma caixinha de música que ouvia quando era pequeno. Realmente acalmava o meu coração.
"Porém, a variante de Suzumiya Haruhi não possui a habilidade de criar dados. Nesta dimensão, a Entidade de Dados Integrados também é não existente."
Não consegui captar tudo, mas a situação me parecia séria. Todos além de mim receberam novas memórias, incluindo Haruhi. Uma escola exclusivamente feminina virou mista, parte dos estudantes no nosso colégio foram transportados para lá, e suas memórias foram secretamente alteradas. O agente da "Organização", a alienígena e a viajante do tempo agora tinham vidas diferentes e pacatas, sem mencionar no retorno da Asakura, e que ninguém lembrava-se de Haruhi. Agora descobrimos que até mesmo os poderosos chefes de Nagato foram apagados da existência.
Que confusão.
"Usando os poderes roubados de Suzumiya Haruhi, o conversor temporal foi capaz de alterar todos os dados e memórias em um raio de 365 dias."
Em outras palavras , todas as memórias de dezembro passado - do ano em que eu vim, é claro - até o dia 17 de dezembro desse ano foram alteradas completamente. Mesmo assim, as lembranças do Tanabata de três anos atrás - ou seja, de hoje - permaneceram intactas. Graças a isso que eu consegui chegar até aqui. Quem foi o idiota que esteve copiando as ações de Haruhi afinal de contas?
Os olhos de Nagato ainda estavam fixos em mim,
"Para restaurar o mundo para o seu estado original, alguém deve retornar até o dia 18 de dezembro, três anos no futuro, e ativar o Programa de Restauração assim que o conversor temporal executar as alterações."
Então, agora viajaremos para frente, certo? E quem vai fazer a restauração é você, não é?
"Eu não posso ir."
Por que não?
Quando Nagato apontou para o quarto de visitas, eu compreendi.
"Não posso deixa-los sozinhos."
De acordo com a explicação dada por Nagato, para permitir que o outro eu e Asahina-san permanecêssemos congelados, ela não poderia deixar este plano temporal.
Ela falou em uma voz como se estivesse lendo a previsão do tempo.
"Ativando modo de emergência."
"O que isso quer dizer?" - estou ficando ansioso.
"Harmonização."
Eu ainda não entendi.
Nagato lentamente tirou os seus óculos e os cobriu com as mãos. Como se estivessem presos a fios invisíveis, eles começaram a flutuar. Se visse qualquer um fazendo algo assim, realmente acreditaria na hipótese dos fios invisíveis. Mas é claro que Nagato não ia fazer algo assim.
Distorção.
A armação e a lente expandiram-se, e começaram a se alterar, girando e distorcendo-se em uma estranha forma espiralada. Em instantes, os óculos transformaram-se em uma outra coisa. Um objeto que eu já havia visto muitas vezes, e que incitava o medo no coração de qualquer pessoa.
Fiz um comentário hesitante.
"É uma seringa bem grande."
"Correto."
Um líquido incolor preenchia o embolo de cima a baixo. Em quem eu devo enfiar essa coisa?
"Esse é o Programa de Restauração que será injetado no corpo do conversor temporal."
Ao olhar para a afiada agulha despontando do objeto, instintivamente recuei.
"Uhm... não tem outro jeito de fazer isso? Quer dizer, me desculpe, mas sou um amador nesse tipo de coisa. Seria um desastre se eu acertasse o lugar errado."
Os olhos de Nagato acenderam como uma tela de televisão, e moveram-se para a seringa que ela tinha em mãos.
"Então é isso?"
Suas mãos novamente se abriram, e o objeto foi outra vez consumido e alterado por uma espiral invisível. Ao olhar para a sua nova forma, respirei mais aliviado.
"Bem, essa é outra coisa que pode causar uma grande confusão."
Desta vez era uma arma, com um cano de aço inoxidável reluzente.
Ela colocou a brilhante arma metálica, que mais parecia uma daquelas armas de brinquedo ou dos heróis de ficção científica sobre sua mão, depois entregando-a para mim.
"As chances disto penetrar tecido é muita alta, mas se possível, é melhor atirar diretamente na pele do alvo."
"E as balas? Essa coisa atira de verdade?"
Sua aparência era a de uma arma de plástico ou alumínio, então era melhor perguntar esse tipo de coisa.
"É uma arma de agulhas de curta distância, o programa está inserido na ponta do projétil."
Bem, ao menos é menos desconfortável psicologicamente carregar isso do que uma seringa gigantesca. Ao segurar a arma, me surpreendi com a sua leveza.
"Tem mais uma coisa."
Finalmente perguntei o que não ousara questionar momentos atrás.
"Quem é o culpado? Quem foi que alterou o mundo? Se não foi Haruhi, quem foi? Você pode me dizer?"
Ouvi Asahina-san suspirar levemente.
Nagato lentamente abriu a sua boca, e sem nenhuma alteração de expressão, ela calmamente disse-me o nome do responsável por tudo aquilo.
Tradução: kwijibo Revisão: GardenAll
Capítulo 4:
Acredito que todos os que já passaram por isso sabem o quão assustador é andar pela escola no escuro.
Carregava a minha blusa sobre os ombros enquanto lentamente me afastava da sala do clube. Como um ninja, tentei não fazer som algum enquanto descia as escadas. Toda a vez que me aproximava de uma esquina, observava a minha frente antes de avançar. E isso certamente era exaustivo! Não tinha idéia do que estava acontecendo no Colégio do Norte, mas aposto que seria problemático se fosse visto por algum professor de plantão. Não saberia explicar nada disso – de fato, gostaria que alguém me explicasse o que estava acontecendo!
Andei transpirando sob o ar úmido, até finalmente chegar ao salão de entrada.
“Bem, o que temos aqui...”
Após dizer isto, abri cautelosamente meu armário de sapatos. Dentro dele havia o calçado de outra pessoa – bem, pelo menos posso dizer que tenho quase certeza que aqueles não eram os meus. Rapidamente eliminei a possibilidade de alguém ter pego os meus sapatos por engano. Estávamos claramente no meio do verão, o que significa que muito possivelmente eu havia novamente saltado por entre as dimensões – fiquei bastante impressionado por ter desenvolvido este tipo de imaginação. Obviamente o dono deste armário não era eu, mas alguém deste mundo ou dimensão paralela. Não me surpreenderia se, na verdade, fosse outra versão de mim mesmo, porque já me acostumei com este tipo de idéia absurda, ou talvez eu esteja meio insensível a este tipo de hecatombe[1] cósmica.
1-[Nota do tradutor: Hecatombe (do grego antigo ἑκατόμβη, composto de ἑκατόν "cem" e βοῦς "boi") era o sacrifício coletivo de muitas vítimas (não apenas bovinas) na Grécia Antiga].
“Bem, não tem outro jeito.”
Acho que não seria muito legal ser visto andando com estes sapatos internos lá fora, porém, não me vejo com outra solução no momento. Minha prioridade era sair da escola o quanto antes. Como esperado, a entrada estava trancada neste horário, então, andei até uma janela próxima e a destranquei com cuidado. Lentamente inalei o ar quente de verão enquanto pulava da janela sobre o chão de concreto, onde Haruhi havia me acordado na vez em que ficamos presos naquele espaço restrito.
Por alguns segundos olhei ao meu redor, certificando-me que ninguém estava me vendo, e então continuei em frente.
Estava tão quente fora da escola quanto dentro dela. Era o típico calor quente e úmido do verão japonês. Como acabei de chegar de um inverno rigoroso, meu corpo reagiu exageradamente, e todos os meus poros se abriram simultaneamente. Limpei o suor do rosto com a manga da camisa e continuei em direção ao portão.
Foi fácil sair. Acho que devo agradecer a falta de segurança da escola – eu só precisei pular o muro e mais nada. Depois de atravessar para o outro lado, peguei o casaco que havia jogado de antemão, e observei o céu estrelado enquanto pensava no meu próximo passo.
No momento tudo que preciso saber é que dia e em que ano estamos. Afinal, há uma grande diferença entre estar no passado ou no futuro.
Antes de tudo, acho que deveria descer essa ladeira. Afinal, há um loja de conveniência no caminho. Se eu parasse na frente de uma casa qualquer e perguntasse, “Que ano e que mês é esse?” seria tratado como um maluco e trancafiado pelas autoridades
competentes. Melhor ir a algum lugar em que eu possa conseguir estas informações sem perguntar para ninguém.
“Mesmo assim, este lugar está quente como o inferno...”
Já sofria com o calor com o meu uniforme de inverno, agora até as minhas calças começavam a grudar nas pernas presas pelo suor. Neste momento sentia que o ódio pelo inventor destas estúpidas fibras sintéticas se intensificavam rapidamente, sem mencionar que esse uniforme nem mesmo nos deixa quente no inverno, só é desenhado para parecer bonito.
O fato de estar resmungando sobre estas coisas triviais significava que o meu cérebro começou a voltar ao normal. Ao invés de estar congelando no meio do inverno esperando a chegada da primavera, eu preferia reclamar sobre o quão quente é o verão estando embaixo de um ventilador. Além do mais, tenho muitas memórias sobre este meu primeiro verão no colegial, apesar de tudo ter sido tão exaustivo, tanto física quanto mentalmente. Agora que tudo passou, não parece ter sido tão ruim assim. Pelo menos consegui ver a Asahina-san de maiô. E acho que não tivemos nenhuma atividade similar da Brigada SOS no inverno.
Minha mente se ocupava com o gosto do ensopado que eu estava perdendo, enquanto caminhava colina abaixo. Depois de quinze minutos vi uma placa iluminada. Era a loja de conveniência que eu ocasionalmente passava no caminho para casa. Pelo menos agora eu sei mais uma coisa, ainda não é horário das lojas fecharem.
Mal conseguia esperar pelas portas se abrirem, e rapidamente olhei ao meu redor assim que entrei. Demorei alguns momentos para me acostumar com o ar condicionado. Neste meio tempo encarei cheio de expectativa o relógio pendurado na parede da loja.
Oito e meia.
Como o sol já se pôs, deve ser oito e meia da noite.
Mas e a data? E o ano? Haviam diversas revistas nas prateleiras, e acho que qualquer uma irá servir. Peguei aleatoriamente um jornal esportivo que estava na parte da frente do mostruário e analisei o seu conteúdo. Pouco me importa o que está escrito; mesmo nos mais estúpidos e fantasiosos tablóides de terceira, ninguém iria tão longe a ponto de mentir a data de hoje, ou iriam?
Meu olhar se fixou em um certo ponto da pagina, e então eu a vi.
Uma combinação de números que alguns considerariam como um bom presságio, entrou em meu campo de visão.
Mas em que ano estamos? Como se tentasse engolir aquelas folhas, me aproximei da pagina e olhei com cuidado o que havia sido impresso no cabeçalho. O atendente me olhava incomodado, mas eu não podia ligar menos para isso agora.
Olhei de novo e de novo para aqueles quatro dígitos.Subitrai o ano que eu parti – no meio de um gélido dezembro – para o ano que esta revista mostrava. Essa conta era tão simples que até uma criança conseguiria resolver.
“Então é isso Nagato...”
Levantei a minha cabeça do jornal e suspirei profundamente olhando para o teto.
O alegre e romântico festival de Tanabata.
Hoje é dia sete de julho de três anos atrás.
Tanabata, três anos atrás... o que mais aconteceu nesse dia?
O Tanabata “deste ano” havia sido como uma rapsódia bem orquestrada; após escrever os nossos desejos e os pendurar nos galhos de bambu, aceitei o convite de Asahina-san para viajar no tempo, posteriormente encontrando sua versão adulta que me conduziu para a escola do leste naquela fatídica noite. Então, encontrei-me com uma Haruhi na sétima série que pulou os muros e me obrigou a ajuda-la a escrever uma mensagem para o espaço cósmico no campo da escola com giz branco.
Após isso, levei Asahina-san (pequena), que havia perdido seu dispositivo de viagem no tempo, o chamado TPDD, para a casa de Nagato, um apartamento de alto nível, onde nos dois dormimos por três anos, nos permitindo a voltar de onde viemos...
“O que só pode significar que...”
Isso é ainda mais fácil do que aquele patético problema de matemática. Tudo que eu precisava fazer era seguir meus passos dados naquele dia. Bem, é isso, isto deve ser o que falta para restaurar o meu mundo distorcido de volta ao normal.
Bem, pelo menos é como deveria ser, não é?
Minhas pernas tremiam com força, não era medo, mas a excitação de perceber que havia algo muito importante a ser feito.
Três anos atrás. Tanabata. A Escola Ginasial do Leste. Os símbolos misteriosos. John Smith.
Todas as peças do quebra cabeça pareciam estar se juntando, e uma conclusão estava se formando em minha mente. Era o tipo de raciocínio simples e claro que eu estava esperando. Como um mantra[2], repeti a mesma frase outra vez.
2-[Nota do tradutor: Hecatombe Mantra (do sânscrito Man mente e Tra alavanca) é uma sílaba ou poema religioso normalmente em sânscrito].
“O que só pode significar que...”
“Elas” estão “aqui”.
A sedutora e charmosa Asahina-san (grande), e a Nagato Yuki em modo de espera.
As duas pessoas mais úteis que eu poderia encontrar neste período de tempo estavam por perto.
Joguei o jornal para longe e corri para fora da loja de conveniência, tentando organizar os meus pensamentos enquanto caminhava.
Lembro-me da primeira vez que vim a esse tempo, o que está acontecendo agora, na verdade. Asahina-san me acordou em um banco no parque próximo a estação e me disse que “Eram umas nove horas.” Se eu correr nesta meia hora que me resta, eu vou alcançá-la a tempo. O único problema será se quem quer que seja o culpado tenha alterado coisas neste período de tempo, se existem mudanças, eu posso acabar não encontrando comigo mesmo. Em todo caso, tenho de contatar Asahina-san (grande) ou Nagato em seu apartamento, o ideal seria fazer os dois. A questão seria o que devo fazer primeiro, já que tenho mais de uma opção.
Não acho que Nagato vai sair do seu apartamento, enquanto só conseguirei encontrar Asahina-san em um tempo e lugar específicos. Acho que nesse caso a escolha é clara.
Vestida como uma professora elegante, esta Asahina-san adulta foi uma das pessoas que me deu uma pista relativa a “Branca de Neve” e rapidamente desapareceu, voltando para um futuro ainda mais distante do que o da Asahina-san que eu conheço. A imagem dela
sorrindo enquanto aperta o rosto da sua versão mais jovem ainda é fresca em minha memória.
Essa Asahina-san deve saber quem eu sou, não tenho dúvidas disso.
Mesmo que o parque fosse próximo à estação de trem, mal haviam pessoas passando por lá. Acho que você deve culpar o horário, afinal é o período de dia mais propício para todo o tipo de gente suspeita e estranha sair por ai. Esta é a meca dos anormais... sinto que pensei em algo parecido quando vim para cá durante o Tanabata.
Não acho que é uma boa idéia fazer uma entrada grandiosa, então andei devagar no meio da escuridão, escorado ao lado do muro que separa o parque da rua. Apesar de chamar de muro, esse negócio não tem a altura da minha cintura, com um canteiro cheio de arbustos no topo. Era extremamente fácil caminhar sem ser visto durante o dia nesse lugar, à noite e sozinho era uma tarefa ainda mais simples. Mesmo assim, precisava ter cuidado com qualquer pedestre que me dirigisse olhares suspeitos pelas costas.
Esforcei-me para lembrar a posição do banco em que eu havia acordado daquela vez, para então sorrateiramente me posicionar no lugar ideal de vigília.
Eram quase nove horas.
Acho que isso pode ser considerado voyeurismo[3]. Depois de esticar minha cabeça para fora dos arbustos, finalmente vi o que queria ver.
3-[Nota do tradutor: Voyeurismo é uma prática que consiste num indivíduo conseguir obter prazer sexual através da observação de outras pessoas].
“... é isso mesmo.”
É estranho me ver assim, até parece um daqueles sonhos onde você se vê em terceira pessoa, ou quando você assiste um vídeo com você mesmo.
“Mas como eu posso explicar isso...”
O banco que eu procurava apareceu iluminado pelas luzes dos postes. Mesmo estando meio longe eu não poderia estar errado. As duas pessoas ali, vestindo os uniformes do Colégio do Norte, eram exatamente quem eu estava esperando.
O meu eu do passado e Asahina-san estavam sentados bem ali.
“Eu” estava deitado no colo de Asahina-san, dormindo como um bebê. Estaria mentindo se dissesse que estava sonhando algo que não fosse suficientemente empolgante para me fazer babar. Se uma pessoa não consegue ter bons sonhos com o travesseiro mais precioso do mundo, possivelmente não conseguiria dormir em paz de jeito nenhum.
Sendo usada de travesseiro, Asahina-san ocasionalmente me olhava dormindo em seu colo, ou sussurrando em meu ouvindo, ou me cutucando. Estou ficando com ciúmes... espera, porque diabos eu ficaria com ciúmes de mim mesmo?
Por um momento, realmente desejei enxotar o outro eu de lá e tomar o seu lugar, mas no fim das contas resolvi segurar o impulso. O “eu” deste tempo não me viu da última vez, então se fizer uma besteira, é possível que as coisas se compliquem, não é? O continuum espaço-tempo já está o suficientemente bagunçado sem as minhas intervenções.
Segurando a impulsividade irracional do meu corpo, continuei apenas como um observador. Quanto mais eu penso sobre isso, mais admirado eu fico por ter mantido tamanho autocontrole em uma situação destas.
Enterrado sob estes pensamentos, continuei a observar. Asahina-san movimentou seus lábios vermelhos e murmurou alguma coisa; e “eu” que dormia em seu colo, me mexi
levemente e acordei lentamente. De onde eu estava, não consegui ouvir nada, mas lembro-me vagamente de ter ouvido Asahina-san dizer, “Ah, você acordou?”
Depois de conversar um pouco com Asahina-san, ela se sentiu cansada e deitou a cabeça em “meu” ombro.
O arbusto detrás do banco farfalhou, e aquela pessoa apareceu.
Com uma blusa de mangas compridas e uma minissaia, ela usava uma roupa professoral que eu nunca conseguiria esquecer.
Ainda antes do fim de maio, ela havia deixado um recado para mim para nos encontrarmos, e então me deixou uma pista sobre a branca de neve. Ela até me contou sobre a pinta em forma de estrela. Neste dia, durante o Tanabata, ela fez Asahina-san (pequena) adormecer, e então que guiou até Haruhi antes de sumir sem deixar rastros.
A versão adulta de Asahina-san.
Seu corpo e altura haviam crescido com o passar dos anos. Vinda de um futuro ainda mais distante de Asahina-san, não era ninguém além de Asahina-san (grande).
Era como daquela vez.
Era verdade, tudo está acontecendo exatamente como da última vez em que me vi no Tanabata de três anos atrás.
Depois de conversar “comigo” por um tempo, Asahina-san (grande), se abaixou para abertar a bochecha de Asahina-san (pequena) e acariciou seu corpo, se levantando e dizendo algo para “mim” novamente.
Era a missão dela trazê-lo aqui, e deste ponto em diante, a missão de guia-lo é minha.
Uhm... mas o quê...
Era algo assim que eles estavam falando.
Depois de explicar tudo para um surpreso “eu”, Asahina-san (grande) virou-se para trás e desapareceu em meio à escuridão. Agora percebo que ela foi para o lado oposto da Escola Ginasial do Leste.
“Eu” permaneci ali embasbacado, encarando a sonolenta Asahina-san (pequena) e certamente pensando em alguma bobagem, apesar de não me lembrar do que estava pensando naquela hora. Desisti de forçar a minha memória depois de alguns segundos, não tinha tempo a perder e não queria perder o rastro de Asahina-san (grande).
Corri para fora dos arbustos onde eu estava me escondendo, e rapidamente me esgueirei pelas bordas do parque. Não havia porque esconder a minha presença, pois quando era "eu" naquela situação, certamente não havia percebido que havia alguém ali. Naquele momento a "minha" atenção não estava fixa naquele outro "eu" de outro tempo, para falar a verdade, nem ao menos tinha idéia de que havia algo assim acontecendo. O que fazia sentido, "eu" nunca teria entendido o quão conturbado ficou o continuum espaço-tempo em minha linha de tempo original. Não havia nenhum motivo para ter cuidado "comigo" que carregava Asahina-san nas costas, esta era uma preocupação grande demais para "me" distrair. Assim, resolvi ir embora.
Atravessando mais uma esquina, eu a vi há uns cem metros de distância. Ela caminhava em minha direção, embalada pelo melódico som dos seus saltos batendo pela calçada. Ela não parecia estar com pressa - ao contrário de mim, que certamente estava desesperado para vê-la. Se eu perdesse o seu rastro me sentiria um bocado frustrado com todos os problemas que passei para chegar até aqui
Apressando os meus passos, encurtei a distância entre nós. Sob as luzes fracas dos postes, seu cabelo parecia reluzir. Mesmo que só pudesse ver as suas costas, tinha certeza de que era ela.
Não demorei muito para alcança-la, e chamei pelo seu nome,
"Asahina-san!"
Ela parou. O som suave dos seus sapatos de salto alto golpeando o chão foi engolido pelo silêncio da noite. Seus cabelos castanhos se agitaram, e como se estivesse em câmera lenta, ela se virou para mim.
O que será que ela iria me dizer?
Huh? Não nos despedimos agora a pouco?
Você me seguiu até aqui? Não pode ser.
Ei, onde é que está o outro eu?
No fim, não era nada disso.
"Boa noite, Kyon-kun."
Com o seu lindo rosto, exatamente do jeito que eu me lembrava, ela me cumprimentou com um sorriso radiante.
"Quanto tempo. Quer dizer, para 'você'."
Asahina-san piscou para mim. Era o mesmo sorriso que havia visto faziam uns cinco meses.
Com uma expressão aliviada, Asahina-san (grande), falou comigo.
"Graças a Deus que conseguimos nos encontrar aqui. Estava preocupada com algum erro que eu pudesse ter cometido."
"Sabe, eu ainda sou um pouco desastrada." - Asahina-san falou com timidez e colocou sua língua para for a, com ternura. Era o tipo de movimento charmoso o suficiente para amolecer todos os ossos de dentro do corpo de alguém, mas não podia me dar a este luxo. Se me derretesse em uma pilha de lama agora, colocaria tudo a perder.
Essa Asahina-san já sabia o que devia ser feito
Esforçando-me ao máximo para manter o controle de minha língua, que parecia ter uma mente própria, falei a ela.
"Asahina-san, você sabia que eu viria até aqui... que eu retornaria a este tempo e a este lugar, não é?"
"Sim," - ela respondeu com um menear de cabeça, - "este era um fato predeterminado,"
"Naquele dia de Tanabata, a pequena Asahina-san iria me trazer até o Tanabata de três anos atrás… ou seja, hoje. Você é quem acertou as coisas para que ela me levasse para cá, certo?"
"Sim, esse era um requisito. De outro modo, você não estaria aqui agora,"
Se eu não estivesse ido até a Escola Ginasial do Leste e rabiscado aquelas mensagens no chão, não teria falado para a Haruhi da sétima série sobre "John Smith". E é claro que isso significaria que a Haruhi, que estuda no primeiro da Kouyouen, nunca teria ouvido falar daquele nome. Em outras palavras, não teria encontrado a chave. Afinal, sem
este nome não teria ligação alguma com a Haruhi que encontrara a poucas horas atrás. Como resultado, nós cinco não teríamos nos reunido na sala do clube, e o programa de escape de emergência não teria sido ativado.
Nesta hora uma questão surgiu em minha mente. O outro John Smith... será!?
"É você Kyon-kun. O atual você."
Asahina-san (grande) me deu um sorriso lindo como um botão de rosa,
"É cansativo conversar assim, vamos encontrar um lugar para nos sentar. Ainda temos tempo,"
O poder em suas palavras e em seu sorriso foi grande o suficiente para dissipar toda a ansiedade e confusão que eu carregava.
Se Asahina-san (grande) estava aqui, significava que o futuro ainda existia. Não o futuro caótico pós 18 de dezembro, mas o futuro de que eu, Haruhi e Asahina-san viemos. Então deve haver uma solução.
Esta confiança crescente me aliviava um pouco. Colaborando para amplificar este sentimento, ela continuou,
"Por enquanto, é minha missão o guiar. Mas depois disso você vai estar por sua conta. Eu irei apenas seguir a sua liderança,"
Ela então me deu uma piscadela que foi o suficiente para enfraquecer os meus joelhos.
Retornamos ao parque e nos sentamos no banco em que Asahina-san (pequena) e "eu" estávamos até pouco tempo. Antes de se sentar, Asahina-san (grande) olhou para o banco e o acariciou como se fosse uma relíquia ancestral. Eu gradualmente me sentei, também com um rosto sério. O banco ainda estava quente, era o meu calor e o de Asahina-san, que cinco meses atrás viajaram para três anos no passado.
Perguntei rapidamente,
"Aconteceu algo com o fluxo do tempo? Eu sei que o período de tempo de que vim está ligado a este Tanabata. Se não fosse o caso não teria chego até aqui. Então, Asahina-san… isso significa que o futuro de que você vem e o meu futuro alterado não são conectados?"
"Eu não posso explicar os detalhes,"
Achei que isso iria acontecer, é uma daquelas informações confidenciais, é?
"Não é isso,"
"Eu simplesmente não conseguiria colocar as coisas de um modo que você iria compreender. A nossa teoria de STC é construída sobre certos conceitos específicos. É complicado colocar as coisas de forma compreensível para você. Você ainda se lembra daquilo que eu disse para você sobre o tempo durante o nosso primeiro encontro quando eu revelei a minha identidade?"
Claro que sim, sentado ao lado do rio com as pétalas de cerejeira flutuando pelo ar, ouvi Asahina-san, que até então havia sido apenas uma veterana bonitinha, revelar a chocante verdade sobre ser uma viajante do tempo.
"Naquela situação eu não havia dito algo que você mal conseguiu entender? Este é o caso. Se eu explicasse, você poderia ficar ainda mais confuso,"
Asahina-san (grande) suavemente deu uma pancadinha ao lado de sua cabeça, com uma piscadela simultânea para mim. Cada coisa que ela fazia era tão sedutora.
"É um conceito que não pode ser explicado com palavras. Só poderia ser corretamente compreendido de outras formas. Você entendeu?"
Não. Isso era como tentar ensinar calculo para uma criança de primário. Asahina-san continuou a explicar as coisas para mim, que já estava ficando um pouco tonto.
"Uhm, mas em breve você vai entender. Você vai, e é só isso que eu posso te dizer por enquanto."
Você vai entender em breve? Onde é que eu ouvi algo assim antes? Foi Nagato, ela quem me disse a mesma coisa há algum tempo... espera um pouco.
Um lampejo de inspiração percorreu a minha mente, e não pude evitar de ter a seguinte reação,
"Antes das férias de verão... quando Nagato mencionou algo assim durante o incidente do grilo gigante... como os computadores do futuro não eram como são hoje, será que poderia ser algo assim?"
"Impressionante. Você ainda se lembra disso? Você está certo, o equivalente aos computadores, ou a chamada internet nesse período de tempo, uhm... não existe em um senso material em nosso período de tempo, mas existe em uma forma etérea em nossas mentes. O TPDD é algo assim também."
O objeto que não deveria desaparecer, mas acabou se perdendo
"Isso é um instrumento de viagem no tempo?"
"É um Instrumento de Destruição de Plano Temporal[4]."
4-[Nota do tradutor: no originla, Temporal Plane Destruction Device].
Isso não devia ser uma informação confidencial!?
"Bem, era confidencial até pouco tempo. Mas as regras relaxaram bastante para mim. Só o fato de estar aqui significa que estou trabalhando bastante."
Asahina-san estufou o peito com orgulho, os botões de sua blusa quase se soltaram com o ato. Assim, uma proporção física praticamente impossível despontou em minha frente. Normalmente eu ficaria pasmo com esta visão, mas infelizmente, não estava com ânimo para apreciar tal cena e não pude saciar o apetite dos meus olhos. Continuei, então, a perguntar.
"E qual é a causa disso? Sei que o futuro de que vim mudou, mas quando exatamente isso aconteceu?"
"Para ter mais detalhes, é melhor perguntar para Nagato-san, a que reside neste período de tempo. Só posso dizer uma coisa: a mudança no plano temporal de que você veio ocorreu três anos 'no futuro', na manhã do dia 18 de dezembro."
Para mim, isso tinha sido há três dias. Então foi o plano temporal que mudou? Neste caso... novamente me esforcei para lembrar os dos cenários que Koizumi havia proposto. Significa que a teoria de um universo alternativo está incorreta.
"Exatamente. De um dia para outro, os arquivos de STC... quer dizer, o mundo todo mudou. Apenas as suas memórias permaneceram intactas. Foi um terremoto temporal imenso, detectado até mesmo de um futuro distante,"
Não estava exatamente desinteressado sobre o que seria um STC ou um terremoto temporal, só que não havia tempo para questionar sobre estas coisas irrelevantes, acho que tinha questões mais urgentes para se lidar.
"Asahina-san, você estava esperando aqui por que precisa resolver toda essa mudança temporal gigantesca?"
"Não vou conseguir consertar isso sozinha," - seu rosto adquiriu um tom sombrio - "vou precisar da ajuda de Nagato-san. É claro que precisaremos de você também, Kyon-kun,"
"Quem é o culpado? Só consigo pensar em Haruhi fazendo algo assim,"
"Não."
Asahina-san relutou, e com um rosto sério ela falou,
"Não foi Suzumiya-san. O culpado é outra pessoa,"
"É algum novo elemento desconhecido? Algum slider de fora desse mundo que eu ainda não conheci ou algo assim?"
"Não,"
Interrompendo-me, Asahina-san respondeu com um rosto cheio de preocupação,
"Pelo contrário, é alguém que você conhece muito bem."
Olhando para o seu relógio, Asahina-san (grande), disse-me que ainda tínhamos tempo, então começamos a conversar nostalgicamente sobre nossas memórias da Brigada SOS. Para mim, eram coisas que haviam acontecido durante o ano, mas para ela, já havia sido há muito tempo. Ser arrastada para a sala do clube, forçada a se vestir de Bunny-gal, fazendo desejos no festival de Tanabata, encontrar com um mistério em uma ilha solitária, vestir yukatas no Festival O-bon, reunir toda a brigada para terminar o dever de casa de verão, todas aquelas coisas estranhas que aconteceram durante as filmagens do nosso projeto do festival cultural... minhas memórias começaram a ser lentamente rebobinadas. A voz de Asahina-san se tornou cada vez mais lenta.
Estava esperando que ela cometesse algum deslize e acidentalmente me dissesse como seria o meu future, mas Asahina-san era extremamente cautelosa, e tentou conter o tópico dentro destas amenidades.
"Pode ter sido difícil algumas vezes, mas no fim, foram ótimas memórias."
Após fazer esta constatação conclusiva. Asahina-san se manteve quieta e me encarou um pouco.
Queria comentar algo para quebrar este silêncio constrangedor, mas fui surpreendido por algo quente e macio pousando em meu ombro. Era a cabeça de Asahina-san. O que diabos isso significa? O peso de seu corpo se apoiando sobre mim valia uma fortuna - a fragrância e o calor estimularam os meus nervos, ativando todo o tipo de pensamentos selvagens em meu cérebro, simplesmente não conseguia pensar em mais nada. O que ela queria me transmitir com o aroma do tecido de sua blusa? Ela queria que eu dissesse alguma coisa? Fechando o seus olhos e colocando seu rosto em minha direção, Asahina-san (grande), permanecia silenciosa, mesmo assim conseguia sentir os seus lábios vermelho-cereja se movendo. Ela parecia estar sussurrando alguma coisa, o que seria?
Será que... comecei a navegar pelos mares da fantasia novamente. Será que Asahina-san adormeceu também, só para que outra Asahina-san aparecesse e me falasse sobre algo enigmático também? Mesmo assim, permaneceria ali para sempre, conhecendo numerosas Asahina-san de diversos períodos temporais... droga, minha cabeça está rodando em círculos, como se estivesse dentro de uma gigantesca máquina de lavar. No que é que eu estou pensando!? Alguém pode me dizer?
Ela ficou assim por mais um minuto ou dois
"Hee hee."
Como se pudesse ler a minha mente, ela sorriu e me disse,
"Já está na hora. Vamos."
Ela se levantou como se nada tivesse acontecido, o que era uma pena. Não tive muitas opções se não voltar aos meus sentidos. Ela está certa, é hora de irmos embora. Uhm... para onde?
Nosso segundo destino.
Eram dez horas no relógio de Asahina-san, um pouco depois da hora em que "eu" completei meu papel como cúmplice de Haruhi na pichação do campo de corrida da escola do Leste. Era a hora que "eu" acompanhei uma soluçante Asahina-san para dentro do apartamento de Nagato. A hora em que o tempo parou para "mim".
Era hora de outra visita a Nagato.
"Mas antes disso,"
Asahina-san me deu um sorriso comovente,
"Não tem alguma coisa que você deveria fazer primeiro?"
Era uma pequena distância do parque, até uma área residencial.
Seguindo as orientações da viajante temporal, entrei em uma ruela.
Seguindo por um caminho escuro, estava uma figura pequenina correndo como o vento. Com seu pequeno par de braços e pernas saindo pela camiseta e pelos shorts, ela se movia cada vez mais longe com seu cabelo flutuando pela noite.
"Ei!"
Ela moveu a sua cabeça em minha direção. Depois de me certificar que estava prestando atenção em mim, coloquei as mãos ao redor da boca, e gritei a plenos pulmões,
"Por favor, lembre-se bem de John Smith, que vai sacurir o mundo!"
Após me dar uma espiada rápida, a estudante me deu as costas visivelmente irritada, e marchou em frente.
Ela deve estar achando que vai me encontrar se for ao Colégio do Norte, então não hesitou em ir embora. Olhando para aquele cabelo escuro e comprido, eu adicionei silenciosamente,
"Por favor, não se esqueça disso, Haruhi. Você precisa se lembrar do nome John Smith..."
Rezei do fundo do meu coração, para esta Haruhi de 12 anos, que ainda continuaria a ser uma garota problemática nos dias que viriam. Por favor, não esqueça que eu estive aqui.
Conhecia o caminho para aquele conjunto de apartamentos de alto nível como a palma da minha mão, então não duvido que acabaria chegando lá mesmo de olhos vendados. Caminhava um pouco a frente de Asahina-san (grande), que de algum modo tentava se esconder em minhas costas.
"… Kyon-kun, eu tenho um favor para pedir."
Visto que ela estava praticamente me implorando, não havia razão para negar qualquer coisa. Não importa de que período ela seja, eu não seria insano o suficiente para não realizar qualquer pedido de Asahina-san.
"Me desculpe, mas mesmo agora ainda fico meio desconfortável perto de Nagato-san..."
Isso me lembra que Asahina-san (pequena) sempre fica assim quando está no clube, e não foi muito diferente em nossa última visita. Além de Haruhi, a única outra pessoa que mantém a compostura perto da alienígena era Koizumi.
"Tudo bem, eu entendo."
Disse isso em um tom apaziguador enquanto digitava o número 708 no teclado próximo a entrada, então apertei o botão da campainha.
Segundos depois, o interfone estalou com um ruído mecânico, indicando que havia alguém na linha.
Fui recebido com silêncio, então resolvi tomar a iniciativa.
"Nagato, sou eu."
Silêncio.
"Desculpe, não sei como explicar como as coisas chegaram a este ponto. De todo modo, estou de volta do futuro. Asahina-san também está comigo, quer dizer, a sua versão adulta. Sua versão diferencial temporal variante, se preferir."
Silêncio.
"Precisamos da sua ajuda. Afinal, quem me jogou neste período de tempo foi você."
Silêncio.
"Tanto eu como Asahina-san estamos e seu apartamento, certo? Dormindo no quarto de visitas congelado no tempo..."
Beeep. A porta se abriu.
"Entrem."
A voz de Nagato era tranquilizadora. Calma como sempre, sem nenhum tom de nervosismo ou depressão, mesmo assim ela parecia estar um pouco surpresa, ou talvez tenha sido só impressão minha. Confio em Nagato, não existe nada impossível para ela. Mesmo nessa situação desesperadora, ela será capaz de encontrar uma saída, caso contrário, estaremos perdidos.
Como se entrasse em uma fortaleza proibida. Asahina-san segurava o meu cinto com seus dedos e um olhar nervoso no rosto. Após a porta metálica se abrir, o elevador começou a subir uma vez que estávamos dentro dele.
Finalmente, chegamos a familiar porta do apartamento 708.
Havia uma campainha, mas não estava funcionando ainda, então bati suavemente na porta. Não sentia ninguém do outro lado, mas mesmo assim, ela se abriu lentamente.
" ... "
Aquele rosto sereno olhou por entre a fresta em minha direção, então se moveu para Asahina-san (grande), e de volta para mim.
" ... "
Silenciosa e sem expressão, ela era tão ausente de emoções que eu realmente gostaria de implorar para que ela dissesse algo para mim. Realmente essa era a Nagato, sendo mais preciso, a Nagato Yuki que eu conheci primeiro. A alienígena original que eu havia encontrado no início da primavera. Aquela que havia "me" ajudado, "três anos atrás".
"Podemos entrar?"
Depois de um denso silêncio, Nagato balançou a cabeça alguns poucos centímetros, virando-se para dentro de seu apartamento. Acho que vou tomar isso como um "sim". Disse para a bela mulher atrás de mim que esperava com um olhar acuado.
"Vamos, Asahina-san."
"Er... você está certo, eu vou ficar bem."
Isso mais soava como um mantra que ela recitava para si mesma.
Falando nisso, quantas vezes eu já visitei este lugar? De acordo com o meu relógio biológico esta seria a quarta vez, mesmo que cronologicamente esta seja apenas a segunda. Já estava tão confuso com a ordem temporal que me surpreendia com o fato da minha noção de tempo ainda estar funcionando. Havia saltado do inverno para o verão, e depois arremessado três anos de volta no tempo, duas vezes. Acho que o normal seria que algo ruim acontecesse comigo como consequência, mesmo assim, estou me sentindo bem. Sem mencionar que no atual momento a minha mente está mais afiada do que nunca. Talvez tenha me acostumado tanto com estas experiências bizarras que tomei isso como o normal. Se fosse outra pessoa, possivelmente já teria entrado em parafuso.
O aparamento deserto de Nagato era tão frio quanto eu me lembrava. Não era nem um pouco diferente da última vez que havia passado por aqui.
Era tranquilizador saber que Nagato era a mesma de que eu me lembrava. Ainda inexpressiva e soturna, ela não se assustaria com nada que pudesse acontecer, a nossa alienígena sempre confiável.
Tirei os meus sapatos e atravessei o corredor estreito até chegar a sala de estar. Nagato estava ali nos esperando, parada ali, sozinha, nos observando em silêncio. Mesmo que ela tenha se surpreendido com a nossa visita, não era algo que pudéssemos constatar apenas a observando. Talvez tenha se acostumado comigo a visitando do futuro, apesar disso, não posso dizer que é o tipo de coisa que eu gostaria de repetir.
"Acho que podemos pular as apresentações."
Nagato sentou-se, eu e Asahina-san permanecemos de pé.
"Essa é a versão adulta de Asahina-san, acho que vocês já se conhecem," - quando disse isso, lembrei-me que isso havia acontecido três anos no futuro - "Desculpe, quer dizer, vocês ainda vão se encontrar. Enfim, essa daqui é Asahina-san também, não pense muito no caso."
Nagato olhou para ela com os olhos afiados de um fiscalizador do exame nacional de matemática. Sua visão vagueou pela sala antes de se fixar novamente na figura sexy atrás de mim, então ela concluiu,
"Entendido,"
Ela meneou de leve, seu cabelo mal se moveu com o movimento.
Enquanto seguia o olhar de Nagato, notei a existência daquele lugar - a sala especial adjacente a sala de estar, separada por uma fina porta de correr.
"Ela pode ser aberta?"
Nagato virou o seu rosto para o quarto que eu apontava e disse,
"Negativo. Toda a composição estrutural do aposento está congelada no tempo."
Senti uma leve pontada de pena e tranquilidade ao ouvir aquilo.
Senti uma brisa quente roçando no meu pescoço, era um suspiro de alívio. Ela devia estar pensando na mesma coisa que eu. O que ela pensaria ao ver a sua versão mais jovem dormindo tranquilamente comigo no mesmo quarto? Gostaria de descobrir, mas acho que temos coisas mais importantes com o que lidar.
"Nagato, me desculpe por aparecer tão repentinamente. De todo modo, você pode ouvir minha história?"
Quanto será que "eu" já contei a ela? A história da Brigada SOS até o Tanabata, não é? Bem, vamos continuar deste ponto em diante, explicando sobre as coisas que aconteceram na segunda metade do ano, da melancólica primavera, onde tivemos de lidar com o tédio de Haruhi, até os incessantes suspiros que aquela filmagem me trouxe. É claro que você também estava lá, Nagato. Você sempre veio nos salvar. Quando todo o mundo mudou repentinamente e eu queria saber o motivo de todos terem perdido suas memórias, foi para cá que eu fui mandado pelo programa de emergência que você me forneceu.
Sei que isso vai tomar algum tempo se eu me prender a detalhes, então recitei a mesma versão condensada que trouxe até Haruhi. Pulei todas as pequenas minúncias e só forneci o importante contexto da história. Acredito que para ela, isso seja mais do que o suficiente.
"... então é isso. Mais uma vez eu estou aqui, graças a você."
Havia uma evidência mais importante que qualquer prova testemunhal. Tirei o marcador de páginas amassado do meu bolso e o entreguei a Nagato, como se deixasse um feitiço poderoso nas mãos de um fantasma.
" ... "
Ela pegou o pedaço de papel com a ponta de seus dedos. Ignorando os padrões florais, seus olhos se fixaram no texto impresso no verso, como um arqueólogo que acabou de encontrar uma televisão de LCD dentro de uma rocha do período cretáceo. Se eu não agisse, ela poderia continuar examinando aquilo para sempre, então resolvi intervir.
"O que nós devemos fazer agora?"
"Eu... eu quero consertar essa anomalia temporal,"
A voz de Asahina-san (grande) soava tão nervosa quanto a de uma garota confessando seu amor para o seu príncipe encantado. Ao lado de Nagato, Asahina-san continua tão insegura quanto sempre foi. Pelo menos é o que aparenta.
"Nagato-san... você pode nos ajudar? Você é a única pessoa que pode restaurar o plano temporal para seu estado original. Estou implorando..."
Asahina-san colocou suas mãos juntas e fechou os olhos como se adorasse uma divindade. Oh grande deusa Nagato, também oro para que você derrame sua piedade sobre nós. Por favor, permita-me voltar para a sala do clube onde consigo apreciar a beleza de Asahina-san e também o chá que esta produz, onde enfrento Koizumi em diversos jogos de tabuleiro e onde a observo lendo como uma reluzente estátua de mármore, apenas esperando pelo fatídico momento que Haruhi entra na sala. É apenas isto que eu desejo.
" ... "
Nagato levantou seus olhos, e olhou fixamente para o céu. Entendo porque Asahina-san está tão nervosa, sendo de uma facção diferente de Nagato, não há chance de vitória. Quer dizer, quem neste mundo poderia lutar contra ela? Só Haruhi, eu acho...
O apartamento tinha uma acústica perfeita, e nenhum eco se propagava pela sala. Estava tão silencioso que o tempo parecia ter parado. Nagato e eu trocamos olhares, e eu a vi mexer alguns centímetros com a cabeça.
"Deixe-me confirmar."
Quando eu estava para perguntar o que exatamente ela iria confirmar, Nagato fechou os olhos.
" ... "
Logo depois ela reabriu as suas pálpebras, me encarando com aqueles olhos escuros como pedras de obsidiana.
"Incapaz de sincronizar."
Ela disse, rapidamente, e continuou a me olhar. Sua expressão havia alterado-se um pouco, e não era eu imaginando coisas. Era a mesma expressão que ela ostentava durante o verão, quando até mesmo Koizumi conseguiu perceber a diferença. Desde o dia que nos conheceu, a expressão de Nagato veio mudando gradualmente, mesmo assim, essa ainda não era a Nagato que tínhamos no inverno.
Seu lábios de um vermelho pálido se moveram novamente,
"Não consigo acessar a minha variante temporal do período especificado, pois ela levantou uma barreira protetora que seletivamente bloqueia as minhas tentativas de acesso."
Mesmo sem entender o que isso significava, me senti bastante desconfortável. Quer dizer que não há nada a ser feito?
Nagato ignorou os meus temores e continuou,
"De todo modo, tenho um panorama da situação. É possível efetuar a restauração."
Nagato tocou suavemente as palavras escritas no marcador. E então começou a explicar a situação com uma voz que gradativamente agregava palavras como uma monstruosa bola de neve.
"A conversão temporal tirou proveito das habilidades de Suzumiya Haruhi de criar dados, para alterar parte das informações deste mundo."
Sua voz era calma e soava tão serena quanto a de uma caixinha de música que ouvia quando era pequeno. Realmente acalmava o meu coração.
"Porém, a variante de Suzumiya Haruhi não possui a habilidade de criar dados. Nesta dimensão, a Entidade de Dados Integrados também é não existente."
Não consegui captar tudo, mas a situação me parecia séria. Todos além de mim receberam novas memórias, incluindo Haruhi. Uma escola exclusivamente feminina virou mista, parte dos estudantes no nosso colégio foram transportados para lá, e suas memórias foram secretamente alteradas. O agente da "Organização", a alienígena e a viajante do tempo agora tinham vidas diferentes e pacatas, sem mencionar no retorno da Asakura, e que ninguém lembrava-se de Haruhi. Agora descobrimos que até mesmo os poderosos chefes de Nagato foram apagados da existência.
Que confusão.
"Usando os poderes roubados de Suzumiya Haruhi, o conversor temporal foi capaz de alterar todos os dados e memórias em um raio de 365 dias."
Em outras palavras , todas as memórias de dezembro passado - do ano em que eu vim, é claro - até o dia 17 de dezembro desse ano foram alteradas completamente. Mesmo assim, as lembranças do Tanabata de três anos atrás - ou seja, de hoje - permaneceram intactas. Graças a isso que eu consegui chegar até aqui. Quem foi o idiota que esteve copiando as ações de Haruhi afinal de contas?
Os olhos de Nagato ainda estavam fixos em mim,
"Para restaurar o mundo para o seu estado original, alguém deve retornar até o dia 18 de dezembro, três anos no futuro, e ativar o Programa de Restauração assim que o conversor temporal executar as alterações."
Então, agora viajaremos para frente, certo? E quem vai fazer a restauração é você, não é?
"Eu não posso ir."
Por que não?
Quando Nagato apontou para o quarto de visitas, eu compreendi.
"Não posso deixa-los sozinhos."
De acordo com a explicação dada por Nagato, para permitir que o outro eu e Asahina-san permanecêssemos congelados, ela não poderia deixar este plano temporal.
Ela falou em uma voz como se estivesse lendo a previsão do tempo.
"Ativando modo de emergência."
"O que isso quer dizer?" - estou ficando ansioso.
"Harmonização."
Eu ainda não entendi.
Nagato lentamente tirou os seus óculos e os cobriu com as mãos. Como se estivessem presos a fios invisíveis, eles começaram a flutuar. Se visse qualquer um fazendo algo assim, realmente acreditaria na hipótese dos fios invisíveis. Mas é claro que Nagato não ia fazer algo assim.
Distorção.
A armação e a lente expandiram-se, e começaram a se alterar, girando e distorcendo-se em uma estranha forma espiralada. Em instantes, os óculos transformaram-se em uma outra coisa. Um objeto que eu já havia visto muitas vezes, e que incitava o medo no coração de qualquer pessoa.
Fiz um comentário hesitante.
"É uma seringa bem grande."
"Correto."
Um líquido incolor preenchia o embolo de cima a baixo. Em quem eu devo enfiar essa coisa?
"Esse é o Programa de Restauração que será injetado no corpo do conversor temporal."
Ao olhar para a afiada agulha despontando do objeto, instintivamente recuei.
"Uhm... não tem outro jeito de fazer isso? Quer dizer, me desculpe, mas sou um amador nesse tipo de coisa. Seria um desastre se eu acertasse o lugar errado."
Os olhos de Nagato acenderam como uma tela de televisão, e moveram-se para a seringa que ela tinha em mãos.
"Então é isso?"
Suas mãos novamente se abriram, e o objeto foi outra vez consumido e alterado por uma espiral invisível. Ao olhar para a sua nova forma, respirei mais aliviado.
"Bem, essa é outra coisa que pode causar uma grande confusão."
Desta vez era uma arma, com um cano de aço inoxidável reluzente.
Ela colocou a brilhante arma metálica, que mais parecia uma daquelas armas de brinquedo ou dos heróis de ficção científica sobre sua mão, depois entregando-a para mim.
"As chances disto penetrar tecido é muita alta, mas se possível, é melhor atirar diretamente na pele do alvo."
"E as balas? Essa coisa atira de verdade?"
Sua aparência era a de uma arma de plástico ou alumínio, então era melhor perguntar esse tipo de coisa.
"É uma arma de agulhas de curta distância, o programa está inserido na ponta do projétil."
Bem, ao menos é menos desconfortável psicologicamente carregar isso do que uma seringa gigantesca. Ao segurar a arma, me surpreendi com a sua leveza.
"Tem mais uma coisa."
Finalmente perguntei o que não ousara questionar momentos atrás.
"Quem é o culpado? Quem foi que alterou o mundo? Se não foi Haruhi, quem foi? Você pode me dizer?"
Ouvi Asahina-san suspirar levemente.
Nagato lentamente abriu a sua boca, e sem nenhuma alteração de expressão, ela calmamente disse-me o nome do responsável por tudo aquilo.
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