sábado, 3 de agosto de 2013

Sayonara Piano Sonata - V.01 / Cap.15

Capítulo 15 – Layla, Estrada de Ferro, Tudo que foi Perdido [Download]
Naquele momento, eu estava no meu quarto ouvindo música com meus fones de ouvido. É o álbum de “Derek and the Dominos”. Era uma quinta-feira à noite, o terceiro dia desde que a Mafuyu sumiu do colégio. O vento do lado de fora estava forte, e eu podia ouvir o farfalhar dos galhos das árvores na rua.
Tetsurou foi chamado pelo seu editor, então não havia ninguém em casa. Normalmente, eu estaria livre para usar o sistema de som na sala de estar numa hora como essa, mas eu estava com muita preguiça para sair do meu quarto, então continuei deitado na cama, ouvindo o mini-estéreo que produz sons sem profundidade.
Os sons da bateria de Jin Gordon que saiam dos estéreos estavam apagando todos os outros sons, então eu não havia percebido aquele barulho no começo. Foi só na metade da música1 quando a melodia do piano começa a fluir, que eu finalmente percebi: o som da janela sendo batida por algo atrás dela.
Eu naturalmente pensei que fosse a Chiaki, até porque ninguém mais faria algo assim. Já é tarde da noite, então o que ela queria? Entretanto, eu fiquei paralisado quando vi um par de olhos azuis ao abrir as cortinas da minha janela.
A pessoa que estava em pé no telhado, do outro lado da janela, era na verdade Mafuyu. Era de fato ela. Seu cabelo castanho estava sendo soprado pelo vento forte, e estava emaranhado com a capa da guitarra nas suas costas.

— Você...
Eu queria falar algo, mas eu não conseguia dizer nada.
— Posso entrar?
Mafuyu disse isso, sem nenhuma expressão, enquanto tirava a guitarra dos ombros e a passava para mim.
— Ah... Ah, hmm, tudo bem.
1http://www.youtube.com/watch?v=0WUdlaLWSVM
Minha cabeça estava uma bagunça, mas ainda assim peguei a capa da guitarra e a apoiei contra a parede. Apesar de estar em choque, lembrei de oferecer minha mão a Mafuyu e puxá-la para dentro depois de ela ter retirado seu sapato e entrado pela janela. Ela estava usando um vestido azul leve, o mesmo que havia usado quando eu a vi pela primeira vez... Apesar de ele parecer dificultar os movimentos.
Eu ainda não conseguia acreditar nisso. Isso é a continuação de algum tipo de sonho?
— ...Sério?
Enquanto eu olhava para Mafuyu no meu quarto, não pude evitar perguntar.
— O quê?
— Ah, não, é só... Um pouco estranho. Você não deveria ser capaz de escalar isso, certo? — A mão direita dela não pode se mover afinal.
— Meus pulsos ainda conseguem se mexer.
Mafuyu respondeu normalmente, e mexeu seus pulsos para que eu pudesse ver. Esqueça os seus pulsos, até seus ombros estavam cheios de arranhões. Então o que ela está dizendo é que a única parte que ela não consegue usar são seus dedos, e que ela ainda consegue de alguma forma escalar até aqui? Ainda assim...
Mafuyu percebeu que eu a encarava, e por isso virou o rosto e disse baixo,
— Eu ouvi a Aihara falar sobre isso no colégio, sobre como ela pode entrar e sair do seu quarto livremente pela janela, escalando a árvore. De alguma forma fiquei com... Um pouco de inveja, e por isso eu pensei que deveria tentar.
Ainda assim...
— Por quê... — Você está aparecendo em um lugar como esse? Essa era uma pergunta simples e direta ao ponto, mas por alguma razão eu não conseguia me forçar a dizê-la. Talvez por que eu achasse que ela fosse desaparecer no momento que eu a fizesse?
No fim, o que eu disse foi:
— Como você sabe onde fica a minha casa? — Mafuyu me encarou por um longo período, antes de andar até sua guitarra. Ela tirou algo de dentro e me deu.
— ...John Lennon? — Era um CD, o álbum <Rock 'n' Roll> que eu ouvia naquele dia no terraço. Mafuyu abriu a capa do CD agilmente usando sua mão esquerda. Havia um pedaço de papel dobrado encima do brilhante CD prateado. Depois de desdobrá-lo, eu pude ver um mapa tão bem desenhado que eu quase não percebi que ele havia sido feito a mão. Ele tinha listado precisamente os pontos de referência próximos a minha casa. O que infernos era isso...
— Aquela pessoa me instruiu a ficar em casa e não ir a lugar nenhum. – Mafuyu disse. Aquela pessoa? Ela deveria estar falando do pai dela. — Então antes de ir para o hospital, eu não podia sair de casa. Assim que eu estava pra voltar pra casa depois do meu exame, o CD de alguma forma pareceu na minha bolsa sem que eu soubesse.
Eu olhei confuso para o rosto da Mafuyu. Ela inclinou a cabeça em resposta.
— Não foi você? Que me perseguiu até o hospital e então colocou isso...
— Quem faria esse tipo de coisa estúpida...
Eu engoli as minhas palavras na metade da frase. Havia alguém que faria esse tipo de coisa estúpida, alguém que faria coisas de forma indireta sem nenhuma hesitação mesmo que ela não tivesse nenhuma certeza se daria certo, e não ficaria nem um pouco chocada, mesmo que tivesse desperdiçado metade do dia e um enorme esforço fazendo isso...
— É a Kagurazaka-senpai...
Então é isso que ela estava fazendo enquanto durante sua ausência do colégio... Falando nisso, o que ela está planejando exatamente? Há algo que ela quer que a Mafuyu faça, para dizer o endereço da minha casa para ela?
— Você quer dizer a senpai que tem um cabelo longo, olhos como os de uma pantera, e sempre diz coisas estranhas? — Foi o que a Mafuyu disse. Entendo, então não é como se a Mafuyu não tivesse alguma ideia de quem a Kagurazaka-senpai é.
— Hmm... Deve ser.
— Sobre essa senpai, eu sempre tive... — Assim que a Mafuyu começou a falar, ela percebeu o meu olhar e recuou surpresa. Ela então virou sua cabeça e a balançou ferventemente. — Não, nada.
Mafuyu andou de volta para a minha cama e sentou, resultando numa situação em que eu não podia nem me aproximar da cama e nem sair do quarto, tudo que eu podia fazer era me apoiar próximo a janela. Mafuyu está no meu quarto agora, sendo sincero, eu ainda não tenho muita certeza do que está acontecendo, mas... A Mafuyu realmente está aqui.
— Olhe... Hmm... — Eu escolhi as minhas palavras com cuidado, — Eu não sabia... Naquela hora... Por isso... Desculpe-me.
— Você não sabia o quê?
— Não, é... A coisa... Sobre a sua mão direita.
— Você não precisa se desculpar comigo. Eu me sentirei mal se você fizer isso.
Eu não me sinto tão bem também!
— Além do quê... Você não fez nada errado.
Com isso, ela desviou o olhar.
— Isso não é sua culpa. Essas coisas vão acontecer ocasionalmente. O lado direito do meu corpo vai, ficando gradualmente imóvel de repente, e, às vezes, eu não consigo mover minhas pernas. Eu não entendo o porquê também.
Por um momento, eu não conseguia falar. O lado direito do seu corpo vai gradualmente ficando imóvel?
— Como... Você consegue dizer isso como se fosse algo que não tivesse nada a ver com você?
— Porque... Eu não sinto como se tivesse algo a ver comigo.
Mafuyu abaixou a cabeça e esboçou um pequeno sorriso. Essa foi a primeira vez que eu a vi sorrir, mas era uma expressão tão solitária. Meu coração doeu um pouco.
— E eu não me importo se meu corpo não puder realmente se mexer. No entanto, aquela pessoa e a companhia de gravação provavelmente vão ficar um pouco mais incomodados com isso.
— Ah! Hmm... Bem... Você não vai pros Estados Unidos? Eu ouvi que você vai para lá para um exame ou uma operação?
— Hmm. Aquela pessoa fará um tour pelos EUA, então ele vai pegar um voo amanhã.
— E-Então a razão pela qual você está aqui nessa hora...
— Hmm, eu fugi.
Eu suspirei. Ela fugiu? Mas bem, essa garota parece ser uma infratora repetente de fugir de casa, hein?
— Isso é o que eu tinha planejado de qualquer forma. Vou fugir de casa na noite anterior ao dia que serei levada para os EUA. É só a minha mão direita, eu não me importo se ela não puder ser tratada. Eu só quero levar a minha guitarra e fugir para algum lugar longe, bem longe, até que as minhas pernas não consigam mais se mexer...
Mafuyu fechou seus olhos com força, como se estivesse tentando ao máximo não deixar suas lágrimas caírem.
“Eu vou desaparecer em Junho de qualquer forma.”
Então era isso que ela queria dizer... Não é porque ela iria para os Estados Unidos atrás de tratamento, mas porque ela já havia decidido fugir disso.
E depois?
Eu engoli essas palavras de volta à força.
Ela fugirá para algum lugar distante, bem distante. E depois disso? O que ela fará depois disso?
Eu sabia que a Mafuyu definitivamente seria incapaz de responder a essa pergunta, mesmo que essa pergunta estivesse sendo direcionada a mim, eu não faria a menor ideia de como responder. Seres humanos não pensariam tão além depois de decidirem fugir de algo. Eles só irão correr desesperadamente, e tentar achar um lugar ondem possam se esconder...
— ...Por que você procurou por mim?
— Porque... — Mafuyu encarou os meus dedos, e então levantou a cabeça, — Porque você disse antes, que eu deveria dizer honestamente o que está me incomodando. Você ainda se lembra disso?
Eu havia dito algo assim. Naquela hora, Mafuyu até queria que eu arrancasse minha mão direita e desse a ela, isso ou que eu voltasse o tempo para o período antes de ela começar a tocar o piano... Ah! Então era sobre isso que ela estava falando. Cara, eu estou com ainda mais vontade de chorar.
Então a Mafuyu já tinha me contado sobre isso! Era eu quem não havia percebido.
— Então...
Parecia que a Mafuyu estava tendo dificuldade em continuar a frase. Ela abaixou ainda mais a cabeça.
— Atualmente, a minha mão... É incapaz de carregar minha bagagem. Por isso... Juntos... — Depois de dizer isso, Mafuyu fechou os olhos de novo, e balançou sua cabeça nervosamente.
— Desculpe-me, finja que nunca ouviu isso.
Mafuyu se levantou de repente e andou para perto de mim. Ela carregava sua guitarra, e assim que estava para pegar seus sapatos e sair pela janela, eu a chamei sem hesitar:
— Espere!
Mafuyu se virou. Novamente, eu não conseguia falar enquanto ela olhava diretamente para mim, e as palavras que eu planejava dizer desmoronaram dentro da minha boca. Ao invés disso, o que eu perguntei foi algo completamente não relacionado e estúpido.
— Você quer sair pela porta da frente?
— Não há mais ninguém em casa?
— Ele saiu. Ainda deve demorar um pouco até voltar.
— Entendo. Mas foi a primeira vez que escalei uma árvore, achei bastante divertido.
O problema é que a expressão no rosto da Mafuyu sugeria exatamente o oposto. Não, espera, não era isso que eu queria dizer!
— ...Ok. Você tem alguma outra bagagem? Ou você as deixou lá embaixo?
Mafuyu continuou olhando para o meu rosto, e piscou algumas vezes confusa.
— ...O quê?
— Eu vou com você.
A mochila não tão grande da Mafuyu estava embaixo da árvore no jardim. Nela estava pendurado o gravador que eu havia consertado, apesar de eu mal me lembrar do tempo em que isso ocorreu.
— Você realmente vai vir comigo?
— É você que quer que eu vá junto!
— De fato, mas... Por quê?
Eu também não sei. Eu nem sei para onde ir agora. Tudo que eu sei é: Eu não podia deixar que ela fosse sozinha. Eu peguei a mochila e coloquei no meu ombro. É leve.
— Certo, onde está o seu baixo? Eu só vi uma capa vazia no seu quarto.
Mafuyu perguntou repentinamente isso enquanto estávamos no jardim escuro.
— Eu joguei fora.
— ...Por quê? Ah...
Mafuyu deu um guincho baixo.
— É p-por causa daquilo? E-eu não consigo me lembrar exatamente, mas ele quebrou porque eu bati ele... ?
— Não, não é isso. Mesmo que não estivesse quebrado, eu o teria jogado fora de qualquer forma — essa foi a minha resposta, e não era mentira. Se eu quisesse, eu conseguiria consertá-lo. Além do quê, eu não quero que a Mafuyu pense que foi culpa dela.
— ...Por quê? — Mafuyu ficou ainda mais deprimida.
Por quê? Eu mergulhei nos meus pensamentos por um momento.
— Porque... Eu não gosto mais dele.
— Você não gosta de rock?
Essa pergunta direta que não tinha nem um pouco de compaixão me deu uma bela dor de cabeça.
— É bastante interessante no começo, e eu me senti ótimo quando pratiquei. No entanto...
Eu me calei. Por que joguei ele fora mesmo? Não consigo explicar bem.
— ...Ah, se é porque... Por minha causa... naquela hora...
Balancei a minha cabeça e a interrompi.
— Vamos logo. Tetsurou pode voltar a qualquer momento.
O rosto da Mafuyu estava escondido pela escuridão da noite, e por causa disso eu não conseguia ver a expressão no seu rosto. De alguma forma, eu simplesmente sinto como se a expressão no seu rosto agora fosse uma de solidão.
Empurrei a Mafuyu pelo portão, e carreguei sua guitarra nas minhas costas.
— Para onde nós vamos?
— Onde você acha que nós deveríamos ir?
Eu e Mafuyu trocamos perguntas tão estúpidas.
Nós começamos a andar ao mesmo tempo. Passamos pelas ruas vazias na área residencial que era iluminada por alguns poucos postes, e caminhamos em direção à estação de trem.
Nosso plano de fuga sofreu um enorme contratempo: o último trem já havia saído. A pequena estação de trem estava lá em sua solidão, no meio da área residencial, e havia apenas uma loja de conveniência próxima que operava a essa hora da noite. Não havia ninguém para ser visto depois do último trem sair. Enquanto estávamos na surpreendentemente grande passagem, o que nos acompanhava era as nossas sombras que se estendiam para fora e para longe de nós por causa dos postes ao redor.
— O que nós deveríamos fazer? — Perguntei em desespero.
— Nós não vamos procurar por um cadáver nos trilhos?
Isso foi algo que eu disse aleatoriamente há algum tempo, e a Mafuyu realmente usou isso contra mim.
— Nós realmente vamos andar? Vai ser realmente difícil.
E o que eu deveria fazer se sua perna direita ficar imóvel como antes?
— Eu ouvi dizer que congelar é a forma mais bela de morrer. É verdade?
— Você não pode congelar até a morte no Japão em junho, sacou? Além do quê, eu estou com a impressão de que algo está estranho há algum tempo...
— O quê?
— Por que eu estou carregando a sua bolsa e a sua guitarra?
Eu me esqueci de quando a guitarra veio parar nas minhas costas, mas ela é pesada.
— Porque você está responsável por carregar toda a bagagem!
— Isso não é... — Não, espera, pensando bem, é realmente isso?
Eu olhei para a Mafuyu andando na direção dos trilhos e a alcancei. A visão dela naquele vestido de cor clara parecia que ia fundir com a escuridão e desaparecer se eu não tivesse cuidado.
Depois de passar pela cerca, os trilhos escuros estavam bem a nossa frente. Enquanto andávamos pela pequena ladeira, Mafuyu perguntou sobre a minha mãe do nada.
— Porque o seu pai sempre fala sobre o divórcio nas suas críticas.
Maldito Tetsurou, ele realmente deveria pensar na sua posição como crítico musical.
— Você ainda se lembra da sua mãe? — Mafuyu virou a cabeça e perguntou.
— É claro. Eu já estava no primário quando eles se divorciaram, e nós ainda nos encontrávamos uma vez por mês.
— Que tipo de pessoa ela é?
— Uma realmente séria, chega ao ponto que eu não consigo entender como ela faria algo tão estúpido como casar com o Tetsurou. E também é bastante exigente com a boa educação à mesa.
— Entendo... — Mafuyu voltou a olhar para frente, em direção aos trilhos.
Falando nisso, Mafuyu também está morando com o pai depois da separação dos pais. Então seria essa a razão para me perguntar isso?
— A mamãe... — Mafuyu continuou enquanto olhava para frente, e seus passos pareciam desacelerar enquanto nós andávamos distraídos. — Ela já não estava por perto mesmo antes de eu entrar no primário. No entanto, eu ouvi falar que ela casou novamente na Alemanha, e estão agora morando em Bonn. Eu até procurei o seu endereço ano passado quando eu estava passando por Bonn no meu tour na Europa.
Ela provavelmente se perdeu? Pensei comigo mesmo.
— No entanto, a mamãe se recusou a me ver. Seu marido veio até a porta, e num inglês educado, me pediu para ir embora.
Mafuyu parou nos trilhos, e colocou seus dedos paralisados da mão direita na cerca, antes de apoiar sua cabeça nela também. Como eu não podia ver seu rosto, eu não fazia ideia se o tremor dos seus ombros era porque ela estava chorando.
— Aquela pessoa disse que eu parecia exatamente com a minha mãe, e por isso a mamãe se recusou a me ver porque estava assustada que fosse se afetar por isso. Além do mais, ela também é uma pianista...
Mafuyu finalmente se virou, mas mal havia alguma expressão no seu rosto.
— No dia seguinte, fomos para Londres, e meus dedos de repente não conseguiam mais se mover pouco antes da minha performance. Mas eu... Não deveria ter me importado com aquilo...
E ela continuou sem parar, ela apertou o seu braço direito com força usando sua mão esquerda.
— Mesmo que a parte direita do meu corpo pare de se mover gradualmente, e depois a parte esquerda, e finalmente meu coração pare de bater e eu morra, enquanto eu estiver mumificada e for mandada para aquela pessoa, tenho certeza de que ele vai automaticamente por do lado de um piano e ficar satisfeito.
— ...Não diga coisas tão desconfortáveis.
Mafuyu ignorou as minhas palavras e voltou a falar.
Algumas das perguntas que eu nunca tive a ousadia de fazer, de repente, apareceram na minha cabeça. Já que a Mafuyu planeja simplesmente desaparecer, eu decidi ir atrás de respostas para todas as minhas perguntas.
— Você odeia o seu pai?
Mafuyu não me respondeu de imediato. Ela estava dois passos a minha frente, mas ela desacelerou arrastando o pé.
— Nunca me senti assim.
A voz da Mafuyu gentilmente pousou no asfalto e rolou para perto dos meus pés.
— Não é sobre eu odiar ou não ele... É só como se eu estivesse presa em um pântano sem fundo, desamparada e sozinha.
— O que há com isso! Simplesmente diga que o odeia se é assim que você se sente!
Mafuyu pulou chocada, e virou seu rosto depois de parar de andar. Também vacilei diante da minha própria voz, mas agora eu não podia mais fingir que nada havia acontecido ficando quieto.
— ...Por que você soa como se soubesse de tudo?
— Porque é dolorosamente óbvio! Você não gosta do seu pai! Por que você precisa tornar isso algo tão complicado? Desde o divórcio dos meus pais eu já disse isso ao Tetsurou milhões de vezes: “Sua criatura retardada e sem coração, eu te odeio! Não só você me fez perder a minha mãe, meu pai morreu também! Graças a Deus nem todos os meus familiares estão mortos”.
Mafuyu me encarou com seu rosto completamente enrubescido e seu cabelo esvoaçando levemente. Ela então se virou rapidamente e continuou andando.
Sou realmente qualificado para dizer essas coisas? Não pude evitar refletir sobre o que aconteceu depois que a Mafuyu parou de olhar para mim. Depois de reajustar a correia da guitarra que estava para escorregar do meu ombro, eu rapidamente alcancei a Mafuyu novamente.
Depois de andar uma distância próxima a de quatro estações de trem, Mafuyu começou a reclamar que seus pés doíam. Portanto, andamos para um pequeno parque próximo aos trilhos, e sentamos num banco. Havia apenas uma pequena caixa de areia, duas gangorras e um banco no parque. Um lugar realmente solitário esse.
— O seu pé direito dói?
— Não, são ambos. Não tem nada a ver com aquilo.
Parece que é só por termos andando por tempo demais. Quanto a mim, eu estava bastante grato pela chance de descansar, visto que a correia da guitarra já estava se enterrando no meu ombro.
Levantei minha cabeça para olhar para o sombrio céu sem estrelas, e de repente pensei numa pergunta séria; o que infernos eu estou fazendo em um lugar como esse no meio da noite? Balancei a cabeça, olhei para os meus pés, e decidi simplesmente esquecer essa pergunta por hora.
— Minhas pernas sempre se cansam fácil, e elas têm câimbra frequentemente.
Se isso é verdade, então qual foi a dessa ideia de procurar por um cadáver nos trilhos!
— ...Ah, então essa é a razão pela qual você não pisa nos pedais quando toca o piano?
— Isso não tem nada a ver. Em primeiro lugar, não há necessidade de pisar nos pedais quando você toca Bach.
— Não é isso que eu quis dizer. Eu tenho a impressão de que você consegue reproduzir as notas sustenidas muito bem mesmo sem o uso dos pedais.
— Você ouviu tanto assim os meus CDs?
— Porque as pessoas os mandam para o Tetsurou. Eu provavelmente já ouvi todos os álbuns que você lançou.
— Nojento.
Eles são tocados por você, qual foi a do “nojento”?
— Seria ótimo se pudessem queimar todas as peças no mundo que já toquei.
Simplesmente não as grave se não gosta delas!
— Então você não gosta do piano, mas é forçada a tocá-lo?
Mafuyu acenou concordando.
— Eu nunca, nenhuma vez, pensei em tocar o piano como algo prazeroso.
— Mas parece que está se divertindo quando toca a <Borboleta>2 de Chopin.
— Os críticos adoram dar palpites sobre os sentimentos dos músicos, às vezes eu penso se eles são idiotas ou algo assim. Eu posso tocar uma peça feliz mesmo que eu não me sinta assim!
Bem... Você não está errada em dizer isso.
Música é uma série de notas em uma ordem específica. São os ouvintes que interpretam os sentimentos escondidos nela.
— Então você começou a odiar o piano, e não quer mais tocá-lo?
— Eu não posso mais de qualquer forma, só consigo mover meu dedão e meu indicador livremente.
2http://www.youtube.com/watch?v=cKeley78hM4
Mafuyu levantou sua mão direita e tentou abrir os seus dedos. Seus dedos do meio, anular e mindinho se curvaram levemente.
— Se você fizer um diagnóstico e então a operação...
...Talvez haja uma chance de recuperação?
— É por isso que eu estou fugindo.
Mafuyu colocou sua mão direita no seu peito e então a cobriu com a sua mão esquerda, como se estivesse tentando protegê-la.
— Aquela pessoa disse que seu sonho era tocar o <Concerto para Piano No. 2>3 de Beethoven. Eu sempre estive pensando: por que o número 2? Essa não é nem uma peça popular para começo de conversa.
Beethoven havia escrito cinco concertos para piano. Uma pesquisa recente mencionou que o Concerto para Piano No. 2 em Si bemol maior foi na verdade lançado antes do No. 1, e é a peça menos tocada entre todos os seus concertos.
— Eu só percebi depois, após procurar em notícias antigas, que ele havia tocado os outros concertos com a mamãe, e gravou todos eles também.
Isso é...
Fiquei boquiaberto.
No começo eu queria dizer “É só sua imaginação”, mas eu realmente não conseguia me forçar a dizer isso.
— E...não acho que minha mão possa ser tratada de qualquer forma. É o que eu penso.
Com sua mão esquerda ela segurou o pulso da sua mão direita com força.
— Eu fui feita só para tocar o piano com aquela pessoa. Uma vez que eu desista do piano, é óbvio que não vou mais poder me mover. É natural.
— Então por que você toca a guitarra?
3http://www.youtube.com/watch?v=aP_2QOGd2_4
Os ombros da Mafuyu se encolheram enquanto ela olhava para o chão.
— E você só toca as peças que tocava antes no piano! Você realmente odeia o piano?
Mafuyu mordeu seus lábios inferiores enquanto pensava em uma resposta. Ela então fechou seus olhos e suspirou.
— Originalmente... Quando eu toquei as <Danças Húngaras>4 pela primeira vez com minha mãe, com nossas quatro mãos, me senti realmente feliz. Eu tinha apenas quatro anos, e nós sempre colocávamos isso no piano, e gravávamos as peças que tocávamos.
Mafuyu, com seus dedos, contornou a silhueta do gravador que estava pendurado na sua bolsa. Então isso realmente é algo deixado pela sua mãe. E ela disse antes que era algo importante.
— Mas isso foi só no começo. Eu aprendi a tocar tudo depois, mas a mamãe não estava mais comigo, e eu fui deixada só. Tudo que foi deixado próximo de mim foi o piano. Depois que eu acabo uma peça, a partitura da próxima aparece na minha frente. Eu tinha esperanças de que talvez com a guitarra eu pudesse ter o mesmo sentimento daquela época, e eu estava bastante imersa no começo, mas...
Ela agarrou seus joelhos no banco, e apoiou sua cabeça neles. Havia uma inconfundível depressão na sua voz.
— Mas eu ficava cada vez mais sem fôlego quando eu tocava, e ainda assim era doloroso caso eu não tocasse. Eu realmente não sei o que fazer. Minha cabeça era preenchida por memórias daquela pessoa querendo me fazer tocar isso e aquilo, então o que eu sentia quando eu tocava o piano antes de tudo aquilo? Eu não consigo mais me lembrar, e talvez eu já tenha me esquecido por completo. Essas memórias nunca irão voltar para mim, porque eu perdi tudo há muito tempo. Eu não posso mais... Recuperá-las.
Inconscientemente eu fechei os meus olhos. Tudo que eu podia ouvir era a voz de dor da Mafuyu. Ela realmente... Não pode mais recuperar essas memórias? Se for assim, então não há nada que eu possa fazer por ela?
— ...É porque você tem estado só por muito tempo. Você não vai conseguir continuar no caminho da música assim.
4http://www.youtube.com/watch?v=8kY_V0xAoKk

Foi nessa hora, que eu me lembrei da resposta de certo escritor famoso de romances de mistério. Haverá som caso alguém desmaie em uma floresta sem ninguém? A resposta é não. Se não entra nos ouvidos de alguém, o som não pode ser dito como som, mas sim vibrações do ar.
— Eu também aprendi isso com a Chiaki e a Senpai. Então...
De repente eu não sabia o que eu deveria dizer. Diabos, sobre o que, estou falando? Fui eu que desisti! Eu sabia que eu ia apenas machucar a Mafuyu, mas ainda assim eu joguei fora e decidi ignorar tudo, não foi?
— Você... Realmente decidiu entrar na banda daquela senpai?
— Eh? Ah... hmm.
Certo. Aquelas bobagens sobre conseguir de volta a sala de prática e a dignidade do rock não mais importavam. Tudo que eu queria era começar uma banda com a Mafuyu. Se apenas eu pudesse ser como a Senpai e simplesmente dizer isso para ela desde o começo...
— Eu queria lhe chamar para entrar no Clube de Pesquisa de Música Popular caso eu vencesse. Nós quatro podemos praticar juntos como uma banda naquela sala.
— Formar uma banda... Eu nunca pensei sobre coisas como essa.
A expressão nos olhos da Mafuyu era como se ela estivesse prestes a acompanhar os pássaros migratórios que estavam voando para a distância no final do outono. Eu não pude evitar desviar o meu olhar.
— Me desculpe. Eu estava muito esquentado quando forcei você a participar daquele confronto. Eu sinto como se... Como se eu tivesse feito você se lembrar de memórias ruins.
— Não! — Mafuyu gritou repentinamente. — Nada desse tipo. Naquela hora... Eu podia me lembrar um pouco sobre os dias que eu tocava o piano alegremente. E também, <VariaçõesHeroicas> é uma das minhas peças favoritas. Os sons do seu baixo foram excepcionais, era como se ele tivesse se fundido com a minha guitarra em um único instrumento. Aquela foi a primeira vez que experimentei esse sentimento. Era como mágica.
Eu não pude evitar abaixar a minha cabeça. Se eu comprar o mesmo baixo, e fizer as mesmas modificações nele novamente, seria ele capaz de produzir os mesmo sons como os daquele dia? Isso é impossível. Um mero milímetro de diferença e uma mínima mudança na voltagem iriam resultar em milhas de diferença nos sons que são produzidos. Aquela combinação pode ser considerada um milagre.
— Aquilo foi realmente mágico. Talvez seja esse o ponto de tocar em uma banda?
— Hmm, por um momento eu tive um pensamento sobre isso quando estávamos tocando <Variações Heroicas>. Eu senti como se a minha mão direita estivesse normal de novo, e era como se eu tivesse voltado no tempo para quando eu tocava junto com a mamãe. Se essa é a mágica de uma banda... Então eu desejo participar também.
— É mesmo... ? — Levantei meu rosto e olhei para ela.
As lágrimas no canto dos seus olhos estavam refletindo as luzes da rua.
— Mas eu não posso fazer isso. Coisas como formar uma banda com outras pessoas...
— Você não pode? Por quê?
Mafuyu balançou sua cabeça fervorosamente, como se estivesse usando a sua cabeça para polir seus joelhos.
— Eu não posso. Porque eu vou definitivamente arruinar tudo.
— Sobre o que você está...
— Você não o jogou fora? Foi porque eu o quebrei...
Mafuyu murmurou. Eu engoli as palavras que eu estava para falar, e apertei com força os meus braços.
— Eu não entendo bem... Porque eu fiz aquilo.
Naquela hora, a Mafuyu pegou o meu baixo e bateu ele com força contra o chão.
— Foi tudo culpa daquele baixo por me fazer lembrar tantas coisas. Eu já havia apagado todas aquelas memórias de dentro de mim. Porque... É realmente... Doloroso...
Mafuyu mal conseguia dizer as palavras que saiam da sua boca. Ela apertou com força o seu punho direito com a mão esquerda. Talvez eu devesse cobrir os meus ouvidos ou algo assim?
Finalmente, ela suspirou profundamente.
— ...Desculpe-me.
Não havia nenhuma razão para a Mafuyu se desculpar. Eu balancei a minha cabeça.
— Eu que arruinei tudo. É verdade... Não consigo continuar completamente sozinha.
Ela abraçou seus joelhos, e enterrou sua cabeça neles.
— E não há nem por que eu falar tudo isso. Seu baixo não vai voltar, e eu já estou...
A voz da Mafuyu parou.
Eu realmente não quero ouvi-la dizer tais coisas. Além do mais, eu não vim com ela só para ouvir essas palavras dela.
O que eu posso fazer...
Só uma frase saiu da minha boca...
— Ele não vai desaparecer simples assim. Vamos pegá-lo de volta.
Mafuyu levantou sua cabeça lentamente e olhou para mim. Seus olhos estavam um pouco inchados.
— ...O quê?
— Pegar meu baixo de volta, o que eu joguei fora. Eu vou conseguir tocá-lo uma vez que eu o conserte.
— M-Mas...
Mafuyu fungou.
— Quando você jogou ele fora? Ele já deve ter sido coletado por alguém, certo?
— Anteontem. Ele foi levado pelo caminhão de lixo.
— Você sabe para onde ele foi levado?
— Como eu saberia? É por isso que nós vamos procurar ele!
Eu me levantei, mas a Mafuyu ainda estava abraçando os joelhos e olhando para mim aquele seu olhar desamparado.
Nós definitivamente iremos achá-lo.

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