Capítulo 8– Princesa, Revolucionário [Download - Mirror]
Peguei meu baixo e fugi da sala de aula após o término da aula e fui em direção ao terraço. Assim que cheguei lá, vi uma garota em seu uniforme sentada em cima da cerca de arame farpado olhando para o céu. O seu cabelo era acariciado pelo vento e ela parecia estar de bom humor. Era Kagurazaka-senpai.
— Não está atrasado, jovem? O sinal já acabou de tocar.
— Não, é Senpai que está adiantada demais...
Ainda estávamos em aula, então como ela chegou aqui antes que o sinal acabasse de tocar?
— A melodia do sinal da fabrica do lado oposto ao nosso sobrepõe com o som do nosso colégio nessa hora, o que resulta em uma coincidente e intrigante polifonia. Eu realmente espero que você tenha conseguido ouvi-la, jovem.
— Haa — falando nisso, não é um pouco perigoso demais você estar sentada em um lugar tão alto?
Senpai pulou da cerca e pousou bem a minha frente.
— Você decidiu entrar no nosso clube?
— Bem... — Retirei o baixo que estava pendurado no meu ombro e o encostei na cerca. Eu estava um pouco hesitante com as minhas palavras. — Vou precisar da sua ajuda com o baixo, mas quanto a entrar na banda...
— Por quê? — Senpai curvou suas belas sobrancelhas.
— Não, é porque quero conseguir a sala de volta para poder ouvir meus CDs. Não estou tocando o baixo por você, senpai.
— Mas você veio para cá de acordo com as minhas instruções.
— É só porque eu vou precisar da sua ajuda caso eu queira ensinar uma lição a Mafuyu.
— Então por querer que eu lhe ensine, você se refere a querer que eu o ensine a tocar o baixo primeiro. Você está me usando, assim como estou usando você. Correto?
Ela foi muito direta, mas mesmo assim assenti concordando honestamente. Para vencer Mafuyu, eu não poderia me importar menos com a minha imagem.
Um sorriso apareceu no rosto da senpai.
— Mmm, entendo. Você não aparenta mais ter a expressão de um perdedor.
Senpai se agachou e retirou várias coisas da mochila e as colocou no chão: um mini amplificador com baterias, os cabos do amplificador, como também cordas extras para o baixo.
— ... Mas, por que nós precisamos praticar no terraço?
— Jovem, qual você acha que é o primeiro passo no treino dos fundamentos do baixo?
Ela me perguntou enquanto tirava as cordas de uma bolsa e desenrolava-as.
— Hmm não seria praticar o dedilhado do caranguejo?
É um tipo de pratica repetitiva dos básicos. A pessoa marca um ritmo fixo, e começa a pressionar as notas em ordem, usando do dedo indicador até o mindinho, e então tocando as escalas em ordem. Como a mão esquerda se movimenta horizontalmente de pouco em pouco, algumas pessoas chamam isso de ‘dedilhado do caranguejo’. Soa bem iniciante, mas é o básico de tocar guitarra. Entretanto, senpai balançou a cabeça.
— Existe outra coisa que precisa ser feita antes disso. É a razão pela qual o chamei para o terraço.
Senpai puxou as cordas com força pelo final delas.
— Fiz uma corda bamba daqui até o terraço do dormitório oposto a nós com a corda. Você deverá andar nela até o outro prédio.
Eu estava paralisado. Quase derrubando o baixo que eu estava tirando da capa.
— ... Eh?
— Você não pode ser um baixista se você não puder confiar sua vida às cordas. Estarei aqui rezando pela sua segurança. Você provavelmente morrerá se cair, então é melhor que se prepare mentalmente antes.
— Não, não não não não, o que inferno você está falando?”
— Tsctsc — Senpai deu de ombros.
— É necessário se submeter a treinamentos especiais que ponham sua vida em risco para se tornar um baixista. Quer dizer que você não sabe? Até os baixistas mais famosos do Japão tiveram que fazer todos os tipos de treinamentos com suas vidas em jogo. Por exemplo, eles batiam suas cabeças repetidamente em uma lata de tinta, ou se expor ao fogo ardente de uma explosão de gás... E assim por diante.
— Então, os baixistas famosos do Japão a que você se refere... São?
— O falecido Ikariya Chosuke.
— The Drifters é um grupo de comédia, não? — Joguei a capa do baixo contra o chão.
— The Drifters também é uma banda! Eles fizeram a abertura no concerto dos Beatles. Isso é muito rude de você, jovem.
— Eu sei disso, então pare de mudar de assunto!
— A corda bamba é obviamente uma piada. A primeira coisa que você deve fazer é mudar as cordas do baixo. Já que o instrumento passou bastante tempo na loja, a elasticidade das cordas vai gradualmente afrouxando.
E-Essa pessoa é tão...
Não achei que havia algum propósito em falar alguma coisa, então só troquei as quatro cordas em silêncio.
— A verdadeira razão de chamá-lo para o terraço, é essa!
Kagurazaka-senpai pressionou-se contra a cerca e apontou para baixo. Pude entender que senpai estava se referindo aos sons da guitarra que entravam por meus ouvidos, sem precisar olhar para o que ela apontava. A sala que Mafuyu usa para praticar sua guitarra estava bem abaixo de nós.
Mas, eu havia ensinado a ela como isolar acusticamente a sala com as toalhas, então por que eu ainda podia ouvir os sons dela? A melodia despreocupada de <Pavane para uma Princesa Defunta>1 de Ravel. Isso é pelo choque dos nossos colegas a chamarem de ‘Princesa’?
— Foi há sete dias.
Kagurazaka-senpai apoiou suas costas na cerca e olhou para o céu.
— Matei aula desde o primeiro período e fiquei aqui até o final das aulas enquanto ouvia os sons da rua.
Para que essa pessoa está no colégio?
— Então, o sol começou a se pôr gradualmente, e assim que pareci que ia começar a chover, veio o som daquela guitarra. Era do Livro II de Bach, <O Cravo Bem Temperado>2. Entretanto, ela pulava as fugas e tocava só os prelúdios. Eu estava tão irritada, nem percebi que já estava chovendo — me sentei e continuei a ouvir.
— Você vai pegar uma gripe assim...
— Tudo que ela tocou foram os prelúdios, até o No. 24 em Si menor3, foi uma doce tortura. Então ouvi a porta se abrir e olhei em direção a sala, e vi uma linda garota sair de lá. Seu cabelo era de uma cor castanha clara – era como xarope de bordo congelado. Isso foi o suficiente para eu me apaixonar por ela.
O baixo escorregou dos meus joelhos e caiu no chão.
— Uhm... Senpai?
— Hmm?
— Mas Mafuyu é uma garota.
— E daí? Eu gosto de coisas bonitas. Gênero não faz diferença em meus olhos. Por que você acha que permiti a Aihara Chiaki entrar na banda como nossa companheira? É porque ela é bonita.
1http://www.youtube.com/watch?v=GEUpQ5pCSOQ
2http://www.youtube.com/results?search_query=The+Well-Tempered+Clavier+book+2
3http://www.youtube.com/watch?v=59C0kjh4Zes
— Por favor, não diga coisas tão chocantes de maneira tão despreocupada.
— De qualquer forma, nunca esperei que ela conseguisse tocar a bateria tão bem em menos de um ano.
— Chiaki iria chorar se ouvisse isso de você.
— Sem problema. Contarei a Companheira Chiaki sobre meus gostos abertamente.
— Então todos realmente pensam que você é alguém que vai conseguir o que quiser?
Eu estava chocado, sem palavras. Nunca pensei que ela seria uma pessoa assim. Eu deveria aprender baixo sozinho – ainda não é tarde demais para voltar atrás. Comecei a afinar meu baixo enquanto pensava isso.
— Entretanto, Ebisawa Mafuyu não ouviu uma única palavra que eu disse. Também, após minhas detalhadas observações, por alguma razão desconhecida, você é a única pessoa nesse colégio que consegue conversar com ela.
Pulei de choque e levantei minha cabeça.
O que apareceu na minha frente foi o destrutivo sorriso bonito da senpai, usado por ela apenas uma vez essa semana.
— Logo, jovem, preciso da sua força.
Eu não fazia ideia do por que, mas eu não conseguia olhar diretamente nos olhos da senpai – tudo que eu consegui fazer foi desviar minha vista para o baixo, em minhas mãos. Essa foi a primeira vez que alguém disse isso para mim na minha vida inteira. Não, espera um segundo, acalme-se e pense direito sobre isso. Senpai disse, ela mesma, que eu sou só um peão a ser usado por ela.
— Então o seu plano de verdade é juntar um monte de garotas bonitas, certo? Não é realmente sobre a banda.
Falei a dúvida que eu tinha, mas tudo que Kagurazaka-senpai fez foi inclinar a cabeça e olhar para mim com seus olhos piscando repetidamente.
Todas essas conversas que eu tive com ela não foram alucinações minhas, certo? Esse pensamento passou de repente pela minha cabeça.
— Jovem, você sabe a razão pela qual humanos nascem nesse mundo?
Qual foi a da pergunta súbita? Como eu poderia saber isso?
— A resposta é simples. Humanos nascem nesse mundo em prol do amor e da revolução.
De repente, o vento passou por nós, levantando o longo cabelo da senpai. Quase caí, apesar de só ter sentido um breve sopro de vento nos meus ombros. Por que ela está dizendo tudo isso? Tenho alguma dúvidas sobre o que é a vida? Essas perguntas surgiram brevemente na minha mente.
— Lev Trotsky... Você provavelmente não o conhece, certo?
Eu não tinha mais forças para balançar a cabeça.
— Ele é o penúltimo revolucionário! Ele fugiu para o México depois de perder para seu companheiro político, Joseph Stalin, em uma batalha política. Ele morreu antes de testemunhar o inicio da revolução do mundo. Entretanto, seu azar não foi porque Stalin não estava ao seu lado...
Senpai retirou o baixo das minhas mãos, inexpressiva, e o conectou ao amplificador.
— Seu azar foi que Paul McCartney não estava ao seu lado. O último revolucionário, John Lennon, foi sortudo de ter tido Paul McCartney próximo a ele.
Senpai suprimiu suas poderosas emoções, e começou a dedilhar as cordas com suas unhas. Uma série de intensos e desafinados sons retumbaram dos amplificadores, o que estimulou meus ouvidos. Eu não conseguia entender – como essas cordas grossas do baixo conseguem produzir um som tão agudo? Ela estava tocando o prelúdio de <Revolução>4 dos Beatles. É a música da revolução escrita por John Lennon, e é uma música muito mal compreendida.
— Logo, amor, revolução e música são inseparáveis na minha vida. A força para a interminável revolução; a força para achar o Paul que pertence só a mim; e a força para convertes esses pensamentos nas músicas que canto... não há diferença entre essas três. Jovem, está satisfeito com a resposta que lhe dei?
4http://www.youtube.com/watch?v=KrkwgTBrW78
Sua resposta é sequer direcionada a minha pergunta...?
— Ah, não faço ideia sobre o que você está tentando dizer.
Assim que eu estava prestes a falar alguns dos meus pensamentos, Senpai juntou suas sobrancelhas e balançou a cabeça enquanto murmurava, “Tsc, tsc.”
— Nada que eu possa fazer então. Colocando em termos simples que você consegue entender, é assim: além de juntar um monte de garotas bonitas, também estou séria sobre formar a banda.
— Então só diga isso desde o começo! — Joguei a capa do baixo de novo.
— É melhor para você ser um pouco mais poético.
— Você continua tratando os outros como idiotas, não é, Senpai? E pare com essa expressão de orgulho, porque não estou te elogiando.
— Jovem, suas reações são bem interessantes. Venha cá.
Senpai estava com um sorriso brando. Venha cá? Seja um pouco mais educada!
— Bem então, vamos modificar o baixo. Estou bastante preocupada por essa sua habilidade de sair do assunto. — Eu? É minha culpa? Quando eu estava prestes a falar, senpai me devolveu o baixo.
— Nós vamos ter que criar o som antes de você praticar. Veja, eu trouxe todo de tipo de captador aqui. Você tem suas ferramentas prontas, certo?
Senpai tirou algumas partes de guitarra da sua mochila. Um captador é algo que captura as vibrações das cordas. Mudando essas partes, haverá uma mudança significativa no tom do instrumento. Outras modificações incluem mudar a fiação interna e etc, e em casos mais extremos fazer buracos na guitarra.
— ...Você quer dizer, nós vamos modificar o baixo agora?
— Essa sua Aria Pro II é um baixo barato, mas a escolhi especificamente por causa do timbre da Strocaster da Ebisawa Mafuyu. Mas, isso não é o suficiente. Esse baixo é incapaz de criar os tons que oferecem a resposta perfeita a guitarra dela — Senpai apontou para baixo da
cerca. Uma série de glamorosos dedilhados rápidos da guitarra tocada por Mafuyu vieram daquela direção. Entendo, então essa é a razão por ter me chamado para o terraço.
Senpai e eu refletimos em como modificar o baixo, e foi algo realmente interessante. Simplesmente acontece que também sou bom nisso.
— ...Os sons do seu baixo já estão comparáveis com o baixo de Greg Lake.
Depois de longas duas horas, Kagurazaka-senpai pegou o baixo finalizado e disse isso com louvor, no meio de montes de lascas de madeira, pedaços de metal, e pedaços de cordas cortados. Eu estava um pouco envergonhado por aquilo.
— Por que você não trabalha na minha Les Paul também? Eu gostaria de fazer seu tom um pouco mais suntuoso.
— Não mesmo, não tenho a coragem para trabalhar nesse tipo de guitarra de alta qualidade.
Senpai começou a rir, e a juntar os equipamentos e lixo.
— Tente conectar o seu baixo ao amplificador tanto quanto possível quando estiver praticando. Isso é para você poder sentir com o seu corpo, e lembrar os sons exatamente como serão quando estiver tocando numa apresentação de verdade.
Assenti com a cabeça, e mais uma vez conectei o baixo no mini amplificador. A claridade dos sons do baixo estava totalmente diferente de como era quando o comprei. Isso era para se igualar com aqueles timbres claros da Mafuyu, que são tocados com uma precisão mecânica. Se você me perguntar, sou bastante confiante com as minhas modificações.
Desde o momento que senpai me forçou a comprar esse baixo, nunca senti de verdade que o instrumento era meu. Mas, agora, eu realmente sentia como se fosse o baixo que estava coberto no meu suor dos últimos dez anos de uso... eu conseguia usá-lo confortavelmente. É o meu parceiro que criei desde o começo. Eu podia finalmente começar a praticar.
— É claro, eu não vou fazer você praticar coisas básicas repetidamente. Isso é algo necessário, mas você pode fazer isso sozinho na sua casa. Isso poder ser um pouco repentino, mas eu gostaria que você tocasse uma música para mim, agora.
Senpai colocou uma partitura musical manuscrita na minha frente.
— Você conhece essa música?
Acenei em concordância. Não havia título na partitura, mas eu soube de imediato depois de olhar.
— Não vou negar que as melodias do baixo não são tão chamativas. Existem pouquíssimas músicas que as pessoas reconhecem unicamente pelo baixo. Há uma única exceção, que é essa. Portanto, acredito que todos os baixistas deveriam começar por essa música, e acabar com essa música também.
A música é <Stand by me(Fique Comigo)>5 de Ben E. King. Bum, bum, badabum, bum... Esse é o ritmo do baixo, é verdade, dois versos é tudo que é preciso para relembrar a melodia na sua memória.
— Então ajuste o ritmo do metrônomo você mesmo e toque a música! Continue tocando até que a noite tenha chegado e as estrelas estejam no céu, ok?
Depois de ter acabado de cantar a letra da música, senpai acenou com a mão antes de abrir a porta e ir embora. Dei um suspiro, sentei no chão e peguei o baixo.
Apesar de senpai estar sempre me dando várias surpresas, não pensei em nenhum momento que ela me faria tocar uma música tão depressa.
Ei! Você não vai Ficar Comigo?
Depois de uma hora de prática, alguma coisa de repente pareceu diferente. Inicialmente, eu não sabia o que era.
Foi só quando eu tirei os meus dedos das cordas e parei o metrônomo, que eu finalmente percebi...
Eu não podia ouvir mais os sons da guitarra da Mafuyu. Levantei minha cabeça e olhei o relógio na parede do corredor, eram quase seis horas. Mafuyu toca até mais ou menos a
5http://www.youtube.com/watch?v=Vbg7YoXiKn0
hora do colégio fechar, então ela ainda não deveria estar em casa. Talvez ela tenha ido ao banheiro ou algo assim?
Aumentei um pouco o ritmo do metrônomo, e comecei a tocar desde o começo de novo. Dessa vez, eu murmurei a letra enquanto tocava.
Entretanto, o ritmo da letra é diferente do ritmo do baixo, o que deixa difícil de tocar. Meus dedos pararam de tocar de novo, devido aquele sentimento de que algo estava diferente de antes.
A porta do terraço deveria estar fechada, mas mesmo assim estava levemente entreaberta. Apoiei meu baixo na cerca, e andei em direção à porta. Ao abrir a porta, vi uma assustada Mafuyu de pé do outro lado. Ela deu um passo para trás, mas errou a escada e quase caiu de costas escada a baixo. Enquanto suas mãos estavam balançando no ar, rapidamente a agarrei pelo ombro e a puxei de volta.
— ...O que você está fazendo aqui?
Depois de uma grande dificuldade em se endireitar, Mafuyu tirou meus braços dos seus ombros. Ela virou sua cabeça para o lado rapidamente e respondeu:
— Está muito barulhento aqui em cima.
Olhei de relance para o baixo atrás dela e fiquei um pouco abalado. Ela ouviu aquilo? Mas eu não estava fazendo muito som para começo de conversa.
— Por que você está praticando em um lugar como esse? — Mafuyu me encarou. Ela parecia bastante infeliz.
— Eu não te ensinei como isolar a sala usando a toalha?
— É... Quando alguma coisa... Aparece na sala... Ou coisas assim.
Mafuyu baixou a cabeça enquanto falava vagamente.
— Ah, coisas como centopeias e baratas?
— Wa! Wa! — Mafuyu colocou as mãos em cima dos ouvidos e pisou no meu pé algumas vezes. Isso dói! O que infernos você está fazendo?
Ela transformou a situação em algo bastante estúpido, então tudo que eu pude fazer foi voltar para o meu baixo. Por alguma razão desconhecida, Mafuyu estava me seguindo.
— Uhm... O quê?
— Está desafinado.
Mafuyu inflou as bochechas e apontou para o baixo bastante descontente.
— Eh?
— A terceira corda está muito abemolada. Fiquei realmente desconfortável quando ouvi isso agora a pouco. Quer dizer que você não percebeu? — Chequei o meu afinador, e estava de fato levemente fora do tom. Ela pôde ouvir isso de três andares abaixo de mim? Ela é tão boa assim?
— Empreste-me isso.
Assim que eu estava para tentar afiná-lo, Mafuyu o tirou de mim. Ela rapidamente girou algumas vezes as cravelhas para afinar o instrumento, e então me devolveu o baixo.
— Obrigado por me ajudar a afiná-lo! Eu lhe pago dez ienes cada vez que você fizer isso, então é um favor me ajudar no futuro.
— Idiota.
Eu de repente me lembrei de algo, e comecei a tocar <Fique Comigo>.
— Que música é essa? Eu já a ouvi em algum lugar — Mafuyu perguntou. Impressionante, é exatamente como Senpai disse. Como uma garota que foi cuidadosamente nutrida na influência da música clássica, essa é provavelmente a única música que a Mafuyu consegue reconhecer só pelo baixo.
— É uma música chamada <Fique Comigo>.
— ...A música é sobre o quê?
— Sobre o que é? Hmm... É uma estória sobre como umas pessoas que estavam andando pela ferrovia, quando elas de repente acham um cadáver próximo de lá.
Mafuyu juntou as sobrancelhas.
— ...Você está falando besteira de novo?
— Não, não estou mentindo — apesar de isso ser o sumário do filme6 com o mesmo nome, e não as letras da música.
Não muito depois, Mafuyu se sentou perto da porta do terraço e ficou ouvindo minhas técnicas rústicas de baixo. Mas então, por quanto tempo você planeja ficar por aqui? É realmente difícil para eu tocar quando você está por perto, então, por favor, vá embora logo. Talvez fosse porque Mafuyu estava me encarando, toquei algumas notas erradas várias vezes.
— Você está feliz?
Mafuyu de repente mUhmurou essas palavras. Parei minhas mãos e levantei a cabeça.
— ... Você está feliz tocando o baixo?
Eu não fazia ideia de como responder a essa súbita questão.
— Hmm, não é tão ruim. É bastante prazeroso poder tocar as músicas que gosto gradualmente.
— Verdade?
Mafuyu parecia nem um pouco interessada. Tudo que ela fez foi encarar o chão.
A pergunteiq mesma coisa: — Você não está feliz quando toca a guitarra?
— Nem um pouco.
— Se você não está feliz, por que não para de tocar então?
— Por que você simplesmente não morre?
Agarrei com força o braço do meu baixo, e respirei fundo. Ok, está tudo bem, não fique bravo. Não haverá fim se eu for levar a sério cada palavra dela. Tenho que ser mais maduro que isso.
— Se você não está feliz, então por que ainda se esconde naquela sala de prática todo dia para tocar guitarra? Simplesmente vá para casa e toque seu piano!
6Ele está se referindo ao filme Conte Comigo (1986), apesar de não ser o mesmo nome em português.
— Não é problema seu.
Tem bastante a ver comigo! Você tirou o meu lugar de descanso de mim, não sabia?
— Então... Você pode não fechar a porta com a fechadura? Você vai direto para casa depois da escola nas sextas, certo? Você pode me deixar usar a sala nesse dia?
— Como você sabe que eu vou direto pra casa nas Sextas? Pervertido!
Isso não tem nada a ver com ser um pervertido ou não. Eu posso ver facilmente com os meus próprios olhos.
— Não! Nunca mais se aproxime de mim!
Nossa conversa acabou assim.
Continuei a praticar em silêncio, mas Mafuyu não tinha intenção nenhuma de sair. Ela estava andando de um lado para o outro da porta, hesitante se deveria descer as escadas. O que ela está fazendo?
— ...Princesa?
Mafuyu pulou em choque e se virou.
— Você também está me chamando assim?
— Então como você quer que eu chame você? Ebisawa?
Ela me encarou com raiva.
— Mafuyu?
Dessa vez, ela desviou o olhar diagonalmente para baixo, e acenou em concordância com a cabeça enquanto mordia de leve seus lábios. Então de alguma forma ela aceita que eu a chame pelo nome? Mas é bastante difícil para eu chamá-la assim!
— Se tiver algo que queira dizer, fale logo. Eu disse isso para você ontem, certo?
— Por que você está agindo de forma tão presunçosa?
Você tem alguma direito de dizer isso para mim? Mas, assim que eu estava para encará-la, Mafuyu olhou para outro lugar. É como se ela estivesse dizendo algo estranho, ela murmurou baixinho:
— ...Tem algo se mexendo atrás do armário com um som de zumbido.
Hmm? Ah... Então essa é a razão pela qual você veio aqui?
— Você não tem o inseticida?
— Eu borrifei na sala, antes de sair correndo de lá.
Cara, não é assim que se usa inseticida! Isso não é aqueles inseticidas de boro que você mata eles só com a fumaça.
— Não vai funcionar se você não borrifar diretamente no inseto!
— Você está me pedindo para fazer coisas assim?
Mafuyu disse isso enquanto apertava os dentes com lágrimas nos cantos dos olhos, e seu corpo tremendo de leve. É assim que você pede um favor a alguém? Mas então, se eu deixá-la só, Mafuyu nunca mais usará aquela sala novamente, o que significa que a vitória será minha?
— Se você não gosta de qualquer forma, que tal me devolver a sala como uma dama madura?
— Seu canalha! — Mafuyu disse para mim enquanto suprimia as lágrimas. — Que seja, entendi. Farei isso eu mesma.
Mafuyu bateu a porta, e pelo som dos passos, parecia que ela estava descendo. Vá em frente e tente o seu melhor!
Eu continuei a tocar <Fique Comigo>.
Mas ainda assim, eu estava bastante curioso sobre como isso acabou, então eu olhei para baixo pela cerca.
Mafuyu estava rígida do lado de fora da sala com um punho formado na sua mão esquerda. Depois de encarar a porta por um bom tempo, ela pegou na maçaneta, mas então
parou quase de imediato, como se toda sua força tivesse esvaído. Ela ficou parada lá, imóvel, e suas costas tremiam sem parar. Como ela parecia realmente penosa, desliguei o amplificador, coloquei meu baixo no chão, e me levantei.
Então o zumbido não foi causado por um inseto. Depois de chegar ao pátio no térreo, fui até a sala de prática. Tentei balançar o armário e alguma coisa que estava presa atrás caiu de repente no chão com um som de *pa*. E era, na verdade, a capa do primeiro álbum do Iron Maiden. O zumbido foi provavelmente feito pelo esfregar das páginas, causado pela vibração do armário, devido aos sons da guitarra.
Eu achei que tinha perdido a capa do álbum para sempre, então fiquei realmente feliz quando a consegui de volta. Encantado, mostrei para Mafuyu a capa, que possuí a imagem grotesca de um zumbi... obviamente, ela borrifou inseticida na minha cara enquanto chorava e gritava ao mesmo tempo.
Peguei meu baixo e fugi da sala de aula após o término da aula e fui em direção ao terraço. Assim que cheguei lá, vi uma garota em seu uniforme sentada em cima da cerca de arame farpado olhando para o céu. O seu cabelo era acariciado pelo vento e ela parecia estar de bom humor. Era Kagurazaka-senpai.
— Não está atrasado, jovem? O sinal já acabou de tocar.
— Não, é Senpai que está adiantada demais...
Ainda estávamos em aula, então como ela chegou aqui antes que o sinal acabasse de tocar?
— A melodia do sinal da fabrica do lado oposto ao nosso sobrepõe com o som do nosso colégio nessa hora, o que resulta em uma coincidente e intrigante polifonia. Eu realmente espero que você tenha conseguido ouvi-la, jovem.
— Haa — falando nisso, não é um pouco perigoso demais você estar sentada em um lugar tão alto?
Senpai pulou da cerca e pousou bem a minha frente.
— Você decidiu entrar no nosso clube?
— Bem... — Retirei o baixo que estava pendurado no meu ombro e o encostei na cerca. Eu estava um pouco hesitante com as minhas palavras. — Vou precisar da sua ajuda com o baixo, mas quanto a entrar na banda...
— Por quê? — Senpai curvou suas belas sobrancelhas.
— Não, é porque quero conseguir a sala de volta para poder ouvir meus CDs. Não estou tocando o baixo por você, senpai.
— Mas você veio para cá de acordo com as minhas instruções.
— É só porque eu vou precisar da sua ajuda caso eu queira ensinar uma lição a Mafuyu.
— Então por querer que eu lhe ensine, você se refere a querer que eu o ensine a tocar o baixo primeiro. Você está me usando, assim como estou usando você. Correto?
Ela foi muito direta, mas mesmo assim assenti concordando honestamente. Para vencer Mafuyu, eu não poderia me importar menos com a minha imagem.
Um sorriso apareceu no rosto da senpai.
— Mmm, entendo. Você não aparenta mais ter a expressão de um perdedor.
Senpai se agachou e retirou várias coisas da mochila e as colocou no chão: um mini amplificador com baterias, os cabos do amplificador, como também cordas extras para o baixo.
— ... Mas, por que nós precisamos praticar no terraço?
— Jovem, qual você acha que é o primeiro passo no treino dos fundamentos do baixo?
Ela me perguntou enquanto tirava as cordas de uma bolsa e desenrolava-as.
— Hmm não seria praticar o dedilhado do caranguejo?
É um tipo de pratica repetitiva dos básicos. A pessoa marca um ritmo fixo, e começa a pressionar as notas em ordem, usando do dedo indicador até o mindinho, e então tocando as escalas em ordem. Como a mão esquerda se movimenta horizontalmente de pouco em pouco, algumas pessoas chamam isso de ‘dedilhado do caranguejo’. Soa bem iniciante, mas é o básico de tocar guitarra. Entretanto, senpai balançou a cabeça.
— Existe outra coisa que precisa ser feita antes disso. É a razão pela qual o chamei para o terraço.
Senpai puxou as cordas com força pelo final delas.
— Fiz uma corda bamba daqui até o terraço do dormitório oposto a nós com a corda. Você deverá andar nela até o outro prédio.
Eu estava paralisado. Quase derrubando o baixo que eu estava tirando da capa.
— ... Eh?
— Você não pode ser um baixista se você não puder confiar sua vida às cordas. Estarei aqui rezando pela sua segurança. Você provavelmente morrerá se cair, então é melhor que se prepare mentalmente antes.
— Não, não não não não, o que inferno você está falando?”
— Tsctsc — Senpai deu de ombros.
— É necessário se submeter a treinamentos especiais que ponham sua vida em risco para se tornar um baixista. Quer dizer que você não sabe? Até os baixistas mais famosos do Japão tiveram que fazer todos os tipos de treinamentos com suas vidas em jogo. Por exemplo, eles batiam suas cabeças repetidamente em uma lata de tinta, ou se expor ao fogo ardente de uma explosão de gás... E assim por diante.
— Então, os baixistas famosos do Japão a que você se refere... São?
— O falecido Ikariya Chosuke.
— The Drifters é um grupo de comédia, não? — Joguei a capa do baixo contra o chão.
— The Drifters também é uma banda! Eles fizeram a abertura no concerto dos Beatles. Isso é muito rude de você, jovem.
— Eu sei disso, então pare de mudar de assunto!
— A corda bamba é obviamente uma piada. A primeira coisa que você deve fazer é mudar as cordas do baixo. Já que o instrumento passou bastante tempo na loja, a elasticidade das cordas vai gradualmente afrouxando.
E-Essa pessoa é tão...
Não achei que havia algum propósito em falar alguma coisa, então só troquei as quatro cordas em silêncio.
— A verdadeira razão de chamá-lo para o terraço, é essa!
Kagurazaka-senpai pressionou-se contra a cerca e apontou para baixo. Pude entender que senpai estava se referindo aos sons da guitarra que entravam por meus ouvidos, sem precisar olhar para o que ela apontava. A sala que Mafuyu usa para praticar sua guitarra estava bem abaixo de nós.
Mas, eu havia ensinado a ela como isolar acusticamente a sala com as toalhas, então por que eu ainda podia ouvir os sons dela? A melodia despreocupada de <Pavane para uma Princesa Defunta>1 de Ravel. Isso é pelo choque dos nossos colegas a chamarem de ‘Princesa’?
— Foi há sete dias.
Kagurazaka-senpai apoiou suas costas na cerca e olhou para o céu.
— Matei aula desde o primeiro período e fiquei aqui até o final das aulas enquanto ouvia os sons da rua.
Para que essa pessoa está no colégio?
— Então, o sol começou a se pôr gradualmente, e assim que pareci que ia começar a chover, veio o som daquela guitarra. Era do Livro II de Bach, <O Cravo Bem Temperado>2. Entretanto, ela pulava as fugas e tocava só os prelúdios. Eu estava tão irritada, nem percebi que já estava chovendo — me sentei e continuei a ouvir.
— Você vai pegar uma gripe assim...
— Tudo que ela tocou foram os prelúdios, até o No. 24 em Si menor3, foi uma doce tortura. Então ouvi a porta se abrir e olhei em direção a sala, e vi uma linda garota sair de lá. Seu cabelo era de uma cor castanha clara – era como xarope de bordo congelado. Isso foi o suficiente para eu me apaixonar por ela.
O baixo escorregou dos meus joelhos e caiu no chão.
— Uhm... Senpai?
— Hmm?
— Mas Mafuyu é uma garota.
— E daí? Eu gosto de coisas bonitas. Gênero não faz diferença em meus olhos. Por que você acha que permiti a Aihara Chiaki entrar na banda como nossa companheira? É porque ela é bonita.
1http://www.youtube.com/watch?v=GEUpQ5pCSOQ
2http://www.youtube.com/results?search_query=The+Well-Tempered+Clavier+book+2
3http://www.youtube.com/watch?v=59C0kjh4Zes
— Por favor, não diga coisas tão chocantes de maneira tão despreocupada.
— De qualquer forma, nunca esperei que ela conseguisse tocar a bateria tão bem em menos de um ano.
— Chiaki iria chorar se ouvisse isso de você.
— Sem problema. Contarei a Companheira Chiaki sobre meus gostos abertamente.
— Então todos realmente pensam que você é alguém que vai conseguir o que quiser?
Eu estava chocado, sem palavras. Nunca pensei que ela seria uma pessoa assim. Eu deveria aprender baixo sozinho – ainda não é tarde demais para voltar atrás. Comecei a afinar meu baixo enquanto pensava isso.
— Entretanto, Ebisawa Mafuyu não ouviu uma única palavra que eu disse. Também, após minhas detalhadas observações, por alguma razão desconhecida, você é a única pessoa nesse colégio que consegue conversar com ela.
Pulei de choque e levantei minha cabeça.
O que apareceu na minha frente foi o destrutivo sorriso bonito da senpai, usado por ela apenas uma vez essa semana.
— Logo, jovem, preciso da sua força.
Eu não fazia ideia do por que, mas eu não conseguia olhar diretamente nos olhos da senpai – tudo que eu consegui fazer foi desviar minha vista para o baixo, em minhas mãos. Essa foi a primeira vez que alguém disse isso para mim na minha vida inteira. Não, espera um segundo, acalme-se e pense direito sobre isso. Senpai disse, ela mesma, que eu sou só um peão a ser usado por ela.
— Então o seu plano de verdade é juntar um monte de garotas bonitas, certo? Não é realmente sobre a banda.
Falei a dúvida que eu tinha, mas tudo que Kagurazaka-senpai fez foi inclinar a cabeça e olhar para mim com seus olhos piscando repetidamente.
Todas essas conversas que eu tive com ela não foram alucinações minhas, certo? Esse pensamento passou de repente pela minha cabeça.
— Jovem, você sabe a razão pela qual humanos nascem nesse mundo?
Qual foi a da pergunta súbita? Como eu poderia saber isso?
— A resposta é simples. Humanos nascem nesse mundo em prol do amor e da revolução.
De repente, o vento passou por nós, levantando o longo cabelo da senpai. Quase caí, apesar de só ter sentido um breve sopro de vento nos meus ombros. Por que ela está dizendo tudo isso? Tenho alguma dúvidas sobre o que é a vida? Essas perguntas surgiram brevemente na minha mente.
— Lev Trotsky... Você provavelmente não o conhece, certo?
Eu não tinha mais forças para balançar a cabeça.
— Ele é o penúltimo revolucionário! Ele fugiu para o México depois de perder para seu companheiro político, Joseph Stalin, em uma batalha política. Ele morreu antes de testemunhar o inicio da revolução do mundo. Entretanto, seu azar não foi porque Stalin não estava ao seu lado...
Senpai retirou o baixo das minhas mãos, inexpressiva, e o conectou ao amplificador.
— Seu azar foi que Paul McCartney não estava ao seu lado. O último revolucionário, John Lennon, foi sortudo de ter tido Paul McCartney próximo a ele.
Senpai suprimiu suas poderosas emoções, e começou a dedilhar as cordas com suas unhas. Uma série de intensos e desafinados sons retumbaram dos amplificadores, o que estimulou meus ouvidos. Eu não conseguia entender – como essas cordas grossas do baixo conseguem produzir um som tão agudo? Ela estava tocando o prelúdio de <Revolução>4 dos Beatles. É a música da revolução escrita por John Lennon, e é uma música muito mal compreendida.
— Logo, amor, revolução e música são inseparáveis na minha vida. A força para a interminável revolução; a força para achar o Paul que pertence só a mim; e a força para convertes esses pensamentos nas músicas que canto... não há diferença entre essas três. Jovem, está satisfeito com a resposta que lhe dei?
4http://www.youtube.com/watch?v=KrkwgTBrW78
Sua resposta é sequer direcionada a minha pergunta...?
— Ah, não faço ideia sobre o que você está tentando dizer.
Assim que eu estava prestes a falar alguns dos meus pensamentos, Senpai juntou suas sobrancelhas e balançou a cabeça enquanto murmurava, “Tsc, tsc.”
— Nada que eu possa fazer então. Colocando em termos simples que você consegue entender, é assim: além de juntar um monte de garotas bonitas, também estou séria sobre formar a banda.
— Então só diga isso desde o começo! — Joguei a capa do baixo de novo.
— É melhor para você ser um pouco mais poético.
— Você continua tratando os outros como idiotas, não é, Senpai? E pare com essa expressão de orgulho, porque não estou te elogiando.
— Jovem, suas reações são bem interessantes. Venha cá.
Senpai estava com um sorriso brando. Venha cá? Seja um pouco mais educada!
— Bem então, vamos modificar o baixo. Estou bastante preocupada por essa sua habilidade de sair do assunto. — Eu? É minha culpa? Quando eu estava prestes a falar, senpai me devolveu o baixo.
— Nós vamos ter que criar o som antes de você praticar. Veja, eu trouxe todo de tipo de captador aqui. Você tem suas ferramentas prontas, certo?
Senpai tirou algumas partes de guitarra da sua mochila. Um captador é algo que captura as vibrações das cordas. Mudando essas partes, haverá uma mudança significativa no tom do instrumento. Outras modificações incluem mudar a fiação interna e etc, e em casos mais extremos fazer buracos na guitarra.
— ...Você quer dizer, nós vamos modificar o baixo agora?
— Essa sua Aria Pro II é um baixo barato, mas a escolhi especificamente por causa do timbre da Strocaster da Ebisawa Mafuyu. Mas, isso não é o suficiente. Esse baixo é incapaz de criar os tons que oferecem a resposta perfeita a guitarra dela — Senpai apontou para baixo da
cerca. Uma série de glamorosos dedilhados rápidos da guitarra tocada por Mafuyu vieram daquela direção. Entendo, então essa é a razão por ter me chamado para o terraço.
Senpai e eu refletimos em como modificar o baixo, e foi algo realmente interessante. Simplesmente acontece que também sou bom nisso.
— ...Os sons do seu baixo já estão comparáveis com o baixo de Greg Lake.
Depois de longas duas horas, Kagurazaka-senpai pegou o baixo finalizado e disse isso com louvor, no meio de montes de lascas de madeira, pedaços de metal, e pedaços de cordas cortados. Eu estava um pouco envergonhado por aquilo.
— Por que você não trabalha na minha Les Paul também? Eu gostaria de fazer seu tom um pouco mais suntuoso.
— Não mesmo, não tenho a coragem para trabalhar nesse tipo de guitarra de alta qualidade.
Senpai começou a rir, e a juntar os equipamentos e lixo.
— Tente conectar o seu baixo ao amplificador tanto quanto possível quando estiver praticando. Isso é para você poder sentir com o seu corpo, e lembrar os sons exatamente como serão quando estiver tocando numa apresentação de verdade.
Assenti com a cabeça, e mais uma vez conectei o baixo no mini amplificador. A claridade dos sons do baixo estava totalmente diferente de como era quando o comprei. Isso era para se igualar com aqueles timbres claros da Mafuyu, que são tocados com uma precisão mecânica. Se você me perguntar, sou bastante confiante com as minhas modificações.
Desde o momento que senpai me forçou a comprar esse baixo, nunca senti de verdade que o instrumento era meu. Mas, agora, eu realmente sentia como se fosse o baixo que estava coberto no meu suor dos últimos dez anos de uso... eu conseguia usá-lo confortavelmente. É o meu parceiro que criei desde o começo. Eu podia finalmente começar a praticar.
— É claro, eu não vou fazer você praticar coisas básicas repetidamente. Isso é algo necessário, mas você pode fazer isso sozinho na sua casa. Isso poder ser um pouco repentino, mas eu gostaria que você tocasse uma música para mim, agora.
Senpai colocou uma partitura musical manuscrita na minha frente.
— Você conhece essa música?
Acenei em concordância. Não havia título na partitura, mas eu soube de imediato depois de olhar.
— Não vou negar que as melodias do baixo não são tão chamativas. Existem pouquíssimas músicas que as pessoas reconhecem unicamente pelo baixo. Há uma única exceção, que é essa. Portanto, acredito que todos os baixistas deveriam começar por essa música, e acabar com essa música também.
A música é <Stand by me(Fique Comigo)>5 de Ben E. King. Bum, bum, badabum, bum... Esse é o ritmo do baixo, é verdade, dois versos é tudo que é preciso para relembrar a melodia na sua memória.
— Então ajuste o ritmo do metrônomo você mesmo e toque a música! Continue tocando até que a noite tenha chegado e as estrelas estejam no céu, ok?
Depois de ter acabado de cantar a letra da música, senpai acenou com a mão antes de abrir a porta e ir embora. Dei um suspiro, sentei no chão e peguei o baixo.
Apesar de senpai estar sempre me dando várias surpresas, não pensei em nenhum momento que ela me faria tocar uma música tão depressa.
Ei! Você não vai Ficar Comigo?
Depois de uma hora de prática, alguma coisa de repente pareceu diferente. Inicialmente, eu não sabia o que era.
Foi só quando eu tirei os meus dedos das cordas e parei o metrônomo, que eu finalmente percebi...
Eu não podia ouvir mais os sons da guitarra da Mafuyu. Levantei minha cabeça e olhei o relógio na parede do corredor, eram quase seis horas. Mafuyu toca até mais ou menos a
5http://www.youtube.com/watch?v=Vbg7YoXiKn0
hora do colégio fechar, então ela ainda não deveria estar em casa. Talvez ela tenha ido ao banheiro ou algo assim?
Aumentei um pouco o ritmo do metrônomo, e comecei a tocar desde o começo de novo. Dessa vez, eu murmurei a letra enquanto tocava.
Entretanto, o ritmo da letra é diferente do ritmo do baixo, o que deixa difícil de tocar. Meus dedos pararam de tocar de novo, devido aquele sentimento de que algo estava diferente de antes.
A porta do terraço deveria estar fechada, mas mesmo assim estava levemente entreaberta. Apoiei meu baixo na cerca, e andei em direção à porta. Ao abrir a porta, vi uma assustada Mafuyu de pé do outro lado. Ela deu um passo para trás, mas errou a escada e quase caiu de costas escada a baixo. Enquanto suas mãos estavam balançando no ar, rapidamente a agarrei pelo ombro e a puxei de volta.
— ...O que você está fazendo aqui?
Depois de uma grande dificuldade em se endireitar, Mafuyu tirou meus braços dos seus ombros. Ela virou sua cabeça para o lado rapidamente e respondeu:
— Está muito barulhento aqui em cima.
Olhei de relance para o baixo atrás dela e fiquei um pouco abalado. Ela ouviu aquilo? Mas eu não estava fazendo muito som para começo de conversa.
— Por que você está praticando em um lugar como esse? — Mafuyu me encarou. Ela parecia bastante infeliz.
— Eu não te ensinei como isolar a sala usando a toalha?
— É... Quando alguma coisa... Aparece na sala... Ou coisas assim.
Mafuyu baixou a cabeça enquanto falava vagamente.
— Ah, coisas como centopeias e baratas?
— Wa! Wa! — Mafuyu colocou as mãos em cima dos ouvidos e pisou no meu pé algumas vezes. Isso dói! O que infernos você está fazendo?
Ela transformou a situação em algo bastante estúpido, então tudo que eu pude fazer foi voltar para o meu baixo. Por alguma razão desconhecida, Mafuyu estava me seguindo.
— Uhm... O quê?
— Está desafinado.
Mafuyu inflou as bochechas e apontou para o baixo bastante descontente.
— Eh?
— A terceira corda está muito abemolada. Fiquei realmente desconfortável quando ouvi isso agora a pouco. Quer dizer que você não percebeu? — Chequei o meu afinador, e estava de fato levemente fora do tom. Ela pôde ouvir isso de três andares abaixo de mim? Ela é tão boa assim?
— Empreste-me isso.
Assim que eu estava para tentar afiná-lo, Mafuyu o tirou de mim. Ela rapidamente girou algumas vezes as cravelhas para afinar o instrumento, e então me devolveu o baixo.
— Obrigado por me ajudar a afiná-lo! Eu lhe pago dez ienes cada vez que você fizer isso, então é um favor me ajudar no futuro.
— Idiota.
Eu de repente me lembrei de algo, e comecei a tocar <Fique Comigo>.
— Que música é essa? Eu já a ouvi em algum lugar — Mafuyu perguntou. Impressionante, é exatamente como Senpai disse. Como uma garota que foi cuidadosamente nutrida na influência da música clássica, essa é provavelmente a única música que a Mafuyu consegue reconhecer só pelo baixo.
— É uma música chamada <Fique Comigo>.
— ...A música é sobre o quê?
— Sobre o que é? Hmm... É uma estória sobre como umas pessoas que estavam andando pela ferrovia, quando elas de repente acham um cadáver próximo de lá.
Mafuyu juntou as sobrancelhas.
— ...Você está falando besteira de novo?
— Não, não estou mentindo — apesar de isso ser o sumário do filme6 com o mesmo nome, e não as letras da música.
Não muito depois, Mafuyu se sentou perto da porta do terraço e ficou ouvindo minhas técnicas rústicas de baixo. Mas então, por quanto tempo você planeja ficar por aqui? É realmente difícil para eu tocar quando você está por perto, então, por favor, vá embora logo. Talvez fosse porque Mafuyu estava me encarando, toquei algumas notas erradas várias vezes.
— Você está feliz?
Mafuyu de repente mUhmurou essas palavras. Parei minhas mãos e levantei a cabeça.
— ... Você está feliz tocando o baixo?
Eu não fazia ideia de como responder a essa súbita questão.
— Hmm, não é tão ruim. É bastante prazeroso poder tocar as músicas que gosto gradualmente.
— Verdade?
Mafuyu parecia nem um pouco interessada. Tudo que ela fez foi encarar o chão.
A pergunteiq mesma coisa: — Você não está feliz quando toca a guitarra?
— Nem um pouco.
— Se você não está feliz, por que não para de tocar então?
— Por que você simplesmente não morre?
Agarrei com força o braço do meu baixo, e respirei fundo. Ok, está tudo bem, não fique bravo. Não haverá fim se eu for levar a sério cada palavra dela. Tenho que ser mais maduro que isso.
— Se você não está feliz, então por que ainda se esconde naquela sala de prática todo dia para tocar guitarra? Simplesmente vá para casa e toque seu piano!
6Ele está se referindo ao filme Conte Comigo (1986), apesar de não ser o mesmo nome em português.
— Não é problema seu.
Tem bastante a ver comigo! Você tirou o meu lugar de descanso de mim, não sabia?
— Então... Você pode não fechar a porta com a fechadura? Você vai direto para casa depois da escola nas sextas, certo? Você pode me deixar usar a sala nesse dia?
— Como você sabe que eu vou direto pra casa nas Sextas? Pervertido!
Isso não tem nada a ver com ser um pervertido ou não. Eu posso ver facilmente com os meus próprios olhos.
— Não! Nunca mais se aproxime de mim!
Nossa conversa acabou assim.
Continuei a praticar em silêncio, mas Mafuyu não tinha intenção nenhuma de sair. Ela estava andando de um lado para o outro da porta, hesitante se deveria descer as escadas. O que ela está fazendo?
— ...Princesa?
Mafuyu pulou em choque e se virou.
— Você também está me chamando assim?
— Então como você quer que eu chame você? Ebisawa?
Ela me encarou com raiva.
— Mafuyu?
Dessa vez, ela desviou o olhar diagonalmente para baixo, e acenou em concordância com a cabeça enquanto mordia de leve seus lábios. Então de alguma forma ela aceita que eu a chame pelo nome? Mas é bastante difícil para eu chamá-la assim!
— Se tiver algo que queira dizer, fale logo. Eu disse isso para você ontem, certo?
— Por que você está agindo de forma tão presunçosa?
Você tem alguma direito de dizer isso para mim? Mas, assim que eu estava para encará-la, Mafuyu olhou para outro lugar. É como se ela estivesse dizendo algo estranho, ela murmurou baixinho:
— ...Tem algo se mexendo atrás do armário com um som de zumbido.
Hmm? Ah... Então essa é a razão pela qual você veio aqui?
— Você não tem o inseticida?
— Eu borrifei na sala, antes de sair correndo de lá.
Cara, não é assim que se usa inseticida! Isso não é aqueles inseticidas de boro que você mata eles só com a fumaça.
— Não vai funcionar se você não borrifar diretamente no inseto!
— Você está me pedindo para fazer coisas assim?
Mafuyu disse isso enquanto apertava os dentes com lágrimas nos cantos dos olhos, e seu corpo tremendo de leve. É assim que você pede um favor a alguém? Mas então, se eu deixá-la só, Mafuyu nunca mais usará aquela sala novamente, o que significa que a vitória será minha?
— Se você não gosta de qualquer forma, que tal me devolver a sala como uma dama madura?
— Seu canalha! — Mafuyu disse para mim enquanto suprimia as lágrimas. — Que seja, entendi. Farei isso eu mesma.
Mafuyu bateu a porta, e pelo som dos passos, parecia que ela estava descendo. Vá em frente e tente o seu melhor!
Eu continuei a tocar <Fique Comigo>.
Mas ainda assim, eu estava bastante curioso sobre como isso acabou, então eu olhei para baixo pela cerca.
Mafuyu estava rígida do lado de fora da sala com um punho formado na sua mão esquerda. Depois de encarar a porta por um bom tempo, ela pegou na maçaneta, mas então
parou quase de imediato, como se toda sua força tivesse esvaído. Ela ficou parada lá, imóvel, e suas costas tremiam sem parar. Como ela parecia realmente penosa, desliguei o amplificador, coloquei meu baixo no chão, e me levantei.
Então o zumbido não foi causado por um inseto. Depois de chegar ao pátio no térreo, fui até a sala de prática. Tentei balançar o armário e alguma coisa que estava presa atrás caiu de repente no chão com um som de *pa*. E era, na verdade, a capa do primeiro álbum do Iron Maiden. O zumbido foi provavelmente feito pelo esfregar das páginas, causado pela vibração do armário, devido aos sons da guitarra.
Eu achei que tinha perdido a capa do álbum para sempre, então fiquei realmente feliz quando a consegui de volta. Encantado, mostrei para Mafuyu a capa, que possuí a imagem grotesca de um zumbi... obviamente, ela borrifou inseticida na minha cara enquanto chorava e gritava ao mesmo tempo.
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