Capítulo 9: Baleia, Paganini, Lutadores [Download - Mirror]
— Se a Ebisawa não gosta da guitarra, por que continua tocando?
Chiaki havia plugado seu tocador de música a um set de pequenos alto-falantes e estava ouvindo a sarabanda das <Suítes Inglesas>1. Ela fez a pergunta enquanto batucava seus dedos nos joelhos ao ritmo da música.
— Ela é tão boa com o piano. Mesmo que toque guitarra, tudo que ela toca são algumas peças de piano, certo?
— Bem, talvez não seja tudo que ela saiba sobre guitarra.
Kagurazaka-senpai havia espalhado uma enorme quantia de partituras no chão de concreto e estava lendo-as com cuidado enquanto respondia Chiaki.
Já que o Clube de Música Popular não é um clube oficialmente reconhecido, as atividades são conduzidas majoritariamente no terraço do colégio. Apesar de eu não ser um membro do clube, senpai me pede diariamente para vir ao terraço após as aulas, não sei se ela está planejando me integrar ao clube aos poucos.
— Então, o que você pensa após ouvir os CDs da Mafuyu?
Ontem, que foi o quinto dia desde que comecei a praticar o baixo de acordo com as instruções dadas pela senpai, ela disse para mim:
— Junte todas as peças que Mafuyu já tocou assim como suas partituras e as traga para o colégio amanhã. Já que mora com um crítico de música você deve ter a coleção inteira em casa, certo?
Eu, de fato, tenho todas as partituras e CDs na minha casa, mas localizá-los era um problema diferente. Procurei pelas partituras na bagunçada biblioteca do Tetsurou, o que quase resultou em meu atraso hoje de manhã para a aula. Senpai parecia bastante feliz à medida que olhava as partituras que eu trouxe, uma a uma. Eu sabia que ela analisava as partituras enquanto ouvia as músicas tocadas no piano pela Mafuyu.
1 http://www.youtube.com/results?search_query=English+Suites&search_type=&aq=f
— Então as peças que Ebisawa Mafuyu toca são centradas em Bach. Ainda assim, não há nenhuma forma de ela conseguir tocar “A fuga” com a guitarra, é tecnicamente impossível, correto?
— Provavelmente — concordei.
Fuga vem do termo “fugue” em italiano. Esse estilo de composição começou durante os primeiros dias da música moderna, a era do barroco, e alcançou sua perfeição com Bach. É um estilo que possui várias vozes entrando em diferentes momentos, que perseguem a melodia inicial. Daí alguns também a chamam de “melodia em fuga”.
O que significa que, como a guitarra pode apenas tocar uma única melodia, é extremamente difícil de reproduzir as técnicas da fuga.
— Então, se for desafiá-la, você terá que fazer isso pela fuga, heim...
— Entendo... Ahn? O que você disse?
Minhas mãos pararam de dedilhar o baixo.
— A tão chamada “reunião de equipe” é para isso?
— O que você achou que era? — Senpai disse em choque. — Jovem, acho que já está na hora de você ficar consciente disso, mas as diferenças entre as suas habilidades e as que Ebisawa Mafuyu, são como a diferença entre uma baleia branca e uma azul. É impossível vencer se não criarmos uma estratégia.
— Eu sei disso, mas, por favor, você poderia ser mais gentil com suas analogias?
— Então que tal uma maçã em comparação a Terra? — Chiaki se juntou a nós.
Isso é ainda pior!
— Entretanto, você não pode desafiá-la com Bach. Não haverá nenhuma chance de vitória caso o faça — Senpai voltou ao assunto.
— Ei, espere um pouco, vou tocar música clássica?
Senpai tirou seu olhar da partitura e pareceu ainda mais chocada agora.
— Mas é claro. De que outro modo você espera “ensinar uma lição” a ela?
— Ah... Bem... — Pra ser sincero, eu não havia pensado sobre isso antes.
— Não há nenhum plano concreto, mas imaginei algo como tocar rock para que ela escute e fique um pouco impressionada comigo?
— Você realmente acha que alguém que possuí tão sublimes técnicas de guitarra ficaria de alguma forma abalada pelo que você tem a oferecer em tais circunstâncias? Primeiro, e será realmente problemático para mim caso você tenha se esquecido disso, minha intenção é fazer Ebisawa Mafuyu se juntar ao clube de Música Popular como minha companheira. O que significa que eu desejo integrá-la como um membro da banda.
— Eh?
...E?
— Então nós temos que tocar as músicas junto com a Ebisawa, correto? — Chiaki falou conforme continuava a folhear as partituras no chão. — Devem ser músicas que Ebisawa saiba.
Kagurazaka-senpai acariciou a cabeça de Chiaki gentilmente. Entendo, então essa é a razão pela qual nós iremos usar “A fuga”. As peças que Mafuyu ama, mas não é capaz de tocar sozinha no seu estado atual.
O que significa... Que meu baixo foi cuidadosamente modificado para combinar com o timbre da guitarra da Mafuyu? Mas espera... Eh? Isso implica que minha ingressão no clube também faz parte nos planos da senpai? Então isso já está certo na cabeça dela? Eu falei claramente que tudo que quero é a sala e não entraria no clube.
— No entanto, ela pode não aceitar mesmo que a instiguemos com alguma fuga cuidadosamente selecionada de Bach... Ainda mais, mesmo que nós tenhamos sucesso e consigamos ganhar a batalha, as habilidades de última-hora desse jovem provavelmente serão incomparáveis com as dela. — Senpai mordeu seu lábio inferior e jogou as partituras.
— Bem, nós talvez ainda tenhamos uma saída, caso o jovem se mantenha ao meu lado e faça um ano do meu treinamento, mas isso levaria tempo demais.
Também não quero começar esse tipo de treinamento! Sinto como se minha vida nunca mais fosse ser a mesma, caso eu passasse por um treinamento desse gênero.
— ...Ei, Nao. Ebisawa não disse que iria desaparecer em Junho?
Tendo ouvido isso da Chiaki, olhei para o céu e comecei a relembrar. De fato, Mafuyu havia dito isso na frente da turma no dia em que se transferiu para o colégio. Como ela fez várias coisas desagradáveis em seguida, me esqueci completamente disso.
Essas palavras... Qual o significado delas?
Senpai perguntou mais uma vez: — Desaparecer em Junho? Ela não disse mais nada além disso?
Chiaki pressionou seu dedo contra o lábio inferior e pensou por um momento antes de balança sua cabeça.
— “Eu terei ido em Junho, então esqueçam sobre mim”; isso foi tudo que ela disse. O que isso significa? Ela está se transferindo para outro colégio? Talvez ela esteja indo estudar no ensino médio afiliado a Faculdade de Música?
— Isso é ruim — Senpai cruzou os braços e disse. — Se conseguirmos fazê-la entrar no clube, ainda posso prendê-la usando os meus charmes para encantá-la. Mas será problemático caso ela suma antes disso.
— Senpai, você sabe que existe o Ato de Imoralidade, então não pode fazer nada que seja muito acima da linha, certo?
— Não se preocupe, sendo eu, é possível fazer isso sem me despir, então não haverá infração ao Ato de Imoralidade.
O que há com esse seu olhar ansioso?
— Então... Jovem, caso você não tenha a determinação para morrer em prol do meu romance e revolução... Ah!
Senpai de repente desligou seu discman.
— Alguma coisa errada?
— Ebisawa Mafuyu está aqui.
Olhei para baixo através da cerca e consegui ver suas costas, com seus longos cabelos castanhos desaparecendo para dentro da sala de música. Eu tenho certeza que a senpai não viu isso, então como ela sabia que a Mafuyu estava aqui? Ela é algum tipo de animal selvagem?
Nos abaixamos e esperamos quietos. Logo mais nós conseguíamos ouvir o som da guitarra. Ahn? Que melodia é essa? Eu já a ouvi antes, mas não consigo me lembrar. Tem algo de Liszt no estilo dela.
— ...É Paganini.
Senpai disse aos meus ouvidos. Eu me lembrei.
Niccolò Paganini, um violinista conhecido como o Demônio pelas técnicas extremamente impressionantes. Ele era um compositor incrivelmente talentoso também, mas que pela sua natureza desconfiada, odiava lançar as partituras de suas composições. Por causa disso, a maioria de seus trabalhos está perdida.
Seus concertos e caprichos de violino, junto com os estudos de piano compostos por Franz Liszt baseados nos seus caprichos, são provavelmente os únicos trabalhos dele que restam nos tempos modernos.
O que Mafuyu estava tocando era o estudo composto por Liszt.
Eu senti como se os ossos do meu corpo fossem ranger caso continuasse a ouvir aqueles intensos vibratos por mais tempo. Chiaki estava se encolhendo também. Que performance irritante.
— ...Entendo... Paganini...
Senpai estava murmurando algo para si mesma. Virei-me para olhar e a vi vasculhando os CDs de Mafuyu com uma expressão séria. Sua mão esquerda também estava remexendo pelas partituras. O que ela está fazendo?
Finalmente, senpai encontrou um CD e uma partitura.
— Achei.
— O que são esses?
— Jovem, você pode emprestá-los a mim?
— Bem, por mim não tem problema...
— Então estarei me dirigindo para casa antes. Tenho uma música para compor.
— Essa música?
— Correto, jovem! Paganini. Nós faremos exatamente o que Paganini fez. Podemos vencer com isso.
O rosto de senpai estava radiando com algum tipo de energia, mas eu estava completamente confuso. O que ela quer dizer? O que senpai tem nas mãos não é nada parecido com Paganini.
— É óbvio. A única pessoa que pode ensinar a Beethoven uma lição é Beethoven, correto?
Senpai me lançou uma fofa piscadela antes de se dirigir ao prédio do colégio com a partitura e o CD. Ela ainda é a mesma de sempre, falando coisas que ninguém consegue entender. A mesma coisa que Paganini fez?
Era impossível entender isso independente de quanto eu tentasse, então posicionei meu baixo de volta a minha coxa.
— Senpai parece realmente feliz...
Chiaki estava se despedindo de senpai com seu olhar, e sussurrando para si mesma deslumbrada. Bem, aquela pessoa parece feliz o tempo todo.
— Nunca pensei que senpai gostasse tanto do Nao.
— A pessoa que ela gosta é Mafuyu, não eu. Sou apenas a ponte que conecta ambas.
Chiaki estreitou a vista e me encarou, como se estivesse insatisfeita com algo.
— ...O quê?
— Hmm... Nada.
De repente Chiaki se levantou e sentou bem atrás de mim, com suas costas pressionadas contra as minhas. Eu me movi um pouco para frente de susto, mas como ela se encostou em mim novamente, não pude me mover mais.
— Ela disse que nós somos lutadores.
Chiaki falou de repente.
— ...Lutadores?
— Sim. Você não ouviu? Clube de Pesquisa de Música Popular é só uma fachada para enganar o mundo. Nós somos um exército revolucionário.
— Não, não ouvi nada disso. — Uma fachada para enganar o mundo? Senpai realmente falou isso? Por favor, né?
— ...O que foi mesmo? Ela disse algo como, a Sexta Internacional ou Partido de Vanguarda ou algo assim.
Isso é algum tipo de movimento estudantil enganoso de alguma área desconhecida? E, o que é essa Sexta Internacional? Onde está a Quinta?
— Realmente não sei quais palavras dela são verdade e quais são brincadeira.
— Talvez todas sejam verdadeiras? — Chiaki riu. — Mas e se todas forem apenas uma brincadeira? Ou melhor, não há como diferenciar as verdades das brincadeiras nas suas palavras, certo?
— Oh... É, imagino que você possa pensar sobre isso dessa forma.
— Eu não me machuquei durante a competição no verão passado? O médico disse naquela época que eu não poderia mais praticar Judô.
— Isso não aconteceu há um mês?
— Hmm... Eu menti para você. Nao pareceu tão preocupado que eu não consegui contar pra você imediatamente.
Então, até as palavras do médico foram uma mentira? Vendo como ela agiu, como se estivesse tudo bem após se machucar, eu fiquei completamente aliviado. Pensando agora, eu era realmente idiota.
— Eu estava realmente deprimida, sabe? Aquela expressão sua dizia tudo... Você pensou que meus machucados eram realmente sérios. Eu não consegui falar pra você que era algo que havia acontecido há muito tempo.
— Eu... Nunca pensei que fosse algo sério.
— Sim, você pensou.
Chiaki bateu de leve a sua cabeça na minha.
— Se não fosse por conhecer a Kagurazaka-senpai, talvez eu nunca tivesse contado para você. — Ela conseguiu desistir do judô porque ela tem a bateria agora, é isso que ela quer dizer? Mas... A Chiaki é realmente tão delicada?
— Naquela época, eu fugia de casa com frequência no meio da noite, e ficava vagando pela estação sozinha. Muitas pessoas vinham pra cima de mim procurando problema, eu era confundida com um garoto e não conseguia usar toda a minha força por causa do ferimento, estava realmente fraca. Entretanto, eu ainda conseguia vencê-los se não fosse mais que três contra um.
Não havia nenhuma razão pra você passar por essas coisas!
— Fui caçada por eles, então corri para dentro do porão de um prédio. Só então percebi que era uma casa de show, e foi lá que a senpai os espantou para mim. Ela é muito corajosa, na verdade ela trouxe algumas bebidas e pediu o dinheiro das entradas deles.
... Isso é corajoso?
— Ah, mas ela pediu para eu também pagar pela entrada.
— Como pensei.
— Como não tinha muito dinheiro comigo, eu só podia pagar usando o meu corpo.
Eu queria responder a isso de alguma forma, mas acabei desistindo.
— Então, o que é isso de lutadores? — Apesar de que esse termo soa mais como os soldados rasos nos filmes.
— Certo. Senpai disse que para começar uma revolução ela precisa de pelo menos mais três pessoas. O presidente, o tesoureiro e o comandante do exército ou algo assim. Com Nao se juntando a nós, só nos falta Ebisawa.
— Espera aí, eu não me juntei ao clube ainda, né?
De repente, não consegui mais sentir as costas da Chiaki. Caí de costas no chão de concreto e minha cabeça bateu gentilmente, a dor se espalhou pela minha mandíbula.
— Ai...
Quando abri meus olhos, vi Chiaki de cabeça para baixo, me olhando de perto. Eu engoli em seco.
— Não há nenhuma razão para não se juntar a nós, certo? Você até comprou um baixo.
— Isso é porque...
Chiaki agarrou minha cabeça com suas duas mãos. Eu não podia mais me mover nem se quisesse.
— ...Isso é pela Ebisawa?
Pela Ebisawa... É levemente diferente do que essas palavras querem implicar, mas acenei em concordância.
— Por quê? Por que você está fazendo tanto por ela? Não deveria haver tanta motivação em você, não é? Além do mais, você tem praticado sem parar recentemente, e suas técnicas estão ficando melhores. Eu fiquei bastante surpresa, sabia?
Eu não saberia como responder caso ela me perguntasse novamente, “É para conseguir a minha sala de prática de volta”, soa apenas como uma desculpa independente de quanto eu pense.
Quero dizer, se tudo que quero é poder ouvir meus CDs a vontade após a aula, deve haver outras maneiras mais simples de se conseguir isso.
Então é pela reputação do rock? Ou meu orgulho? Não importa o quanto eu tente explicar, tem algo que não se encaixa direito. Mas não importa a razão, preciso desafiá-la.
Pensei em silêncio por um tempo. Chiaki então me soltou e se levantou.
— Como você e Ebisawa se conheceram?
Chiaki se sentou atrás das minhas costas novamente e perguntou.
— Por que estamos falando sobre isso?
É difícil explicar o que aconteceu naquele dia, então eu não estava nem um pouco a fim de falar sobre.
— Eu acabei de contar como eu conheci a senpai, então é a sua vez de me falar.
Eu não conseguia pensar em nenhuma forma de refutar e Chiaki estava batendo sua cabeça contra a minha repetidamente. Comecei a lhe contar o que aconteceu enquanto me relembrava dos acontecimentos daquele dia. Sobre a loja de conveniência que é cheia de lixo, no fim do mundo, e como Mafuyu estava tocando a sonata de piano sozinha.
Mas deixei uma coisa de fora, como o lixo estava fazendo os sons de uma orquestra.
Ela provavelmente não teria acreditado em mim. E de alguma forma, senti que era melhor deixar isso como segredo, até de alguém como a Chiaki.
— Esse lugar parece bastante interessante. Quero visitá-lo também.
— Não, não é nada divertido.
Os montes de lixo amontoados são como esqueletos de alguma guerra, deixados para apodrecer ao longo dos dias, e entre eles se encontra um piano. Tudo está mortalmente quieto e o mundo acabou para aquele lugar, Mafuyu é provavelmente a única pessoa que é capaz de trazer vida de volta para aquele lugar.
Tentei me lembrar dela mais uma vez, da melodia daquela sonata de piano que Mafuyu tocou. Ela é formada por uma sequência de arpejos, como o gentil vai-e-vem da superfície dos mares. Seria aquilo Debussi... Não, espera, provavelmente Prokofiev? Eu ainda não consigo relembrar o nome da melodia.
E, isso de alguma forma parece com algo que eu não posso tocar. Mafuyu disse naquele dia que ela queria que eu apagasse a música da minha memória.
Sendo assim, aquela música deve ser algum tipo de chave. Para Mafuyu, aquela música leva a um dos segredos que ela guarda.
Foi só agora que percebi que eu não entendia nada sobre a Mafuyu.
— De qualquer forma...
A voz da Chiaki apareceu de repente e me trouxe de volta a realidade.
Sem que eu percebesse, Chiaki já estava agachada na minha frente e me encarando.
— Você está bastante interessado na Ebisawa, certo?
— Hmm... Hm? — Respondi vagamente. — Nã... O quê? Eu não entendo sobre o que você está falando.
— Não tem porque que se fazer de bobo a essa altura.
Chiaki deu um leve sorriso e gentilmente bateu na minha testa uma vez. Ela então se levantou.
— Então, eu vou ir para casa também. Eu queria perguntar se você gostaria de minha ajuda no seu treinamento, mas imagino que isso não importe.
Chiaki andou para o prédio sem sequer olhar para trás uma vez. Fui deixado só, no amplo terraço vazio, e a solitária melodia de Mafuyu veio de baixo de mim.
Por que todas as garotas ao meu redor são pessoas tão complicadas?
De repente me lembrei de como Mafuyu veio invadindo o terraço e então comecei a praticar após afinar o instrumento.
No próximo dia Mafuyu me entregou uma coisa quadrada de cor esverdeada clara, da sua bolsa após entrar na sala. Está bem embrulhado, o que é isso?
— Isso...
— O-O quê?
Ela empurrou a coisa em minhas mãos. E olhou de soslaio para ela várias vezes.
— Essa coisa... É minha... Minha culpa. Eu comprei isso para você.
Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Mafuyu comprou algo para mim? Que tipo de piada é essa?
— Mas você, de forma nenhuma, pode abrir aqui.
Concordei, apesar de minha cabeça ainda estar aturdida. Entretanto, os meus colegas que não escutam nada que os outros têm a dizer vieram se aproximando de mim animados como sempre. Um deles pegou o pacote das minhas mãos.
— O quê? Um presente da princesa? Ei ei, isso é sério?
— Não é um CD. Nao, podemos abrir?
— Ah, ah, espera...
O pacote foi rasgado antes que Mafuyu ou eu pudéssemos parar eles. É um CD. Na sua capa está um zumbi com um machado manchado de sangue em suas mãos, e estava com um asqueroso sorriso na cara. No seu título “IRON MAIDEN Killers”.
— Eu não disse para não abrir ele? Não me mostre isso, é repugnante!
Mafuyu se virou e sua voz soava como se estivesse à beira das lagrimas.
— Mafuyu me chamou de repugnante de novo. Minha única razão de viver se foi.
— Não se preocupe, ela não está falando de você.
— Mas esse zumbi até que parece com você, não acha?
Meus colegas estavam falando coisas retardadas de novo. Peguei o CD de volta deles.
— Hmm...Você comprou esse CD para mim por causa da capa?
Eu tive que jogar fora a capa que achei atrás do armário e isso foi graças a Mafuyu, que decidiu borrifar um monte de inseticida em cima dela. Mafuyu concordou ainda de costas e sussurrou: — Guarde-a logo.
É só uma capa, por que ela estava tão perturbada quanto a isso? Eu pensei na Mafuyu, que estava enojada simplesmente pela imagem de um zumbi. Então pensei nela indo na seção de Heavy Metal e olhando os CDs, todos preenchidos com imagens e designs extremos, enquanto ela, desesperadamente, tentava achar o álbum do Iron Maiden escondido entre eles. Eu não sabia mais o que dizer para ela.
Além do mais...
— O quê?
Mafuyu percebeu que eu tinha algo para dizer. Ela olhou para mim.
— Hmm, não... Não é nada.
— Diga!
— Hmm... Pode ser um pouco demais eu dizer isso, já que você comprou especialmente para mim, mas esse é o segundo álbum deles. A capa que você arruinou é na verdade do primeiro álbum deles — não pude culpá-la por confundir as duas, já que o estilo delas era extremamente similar. Após ouvir isso o rosto de Mafuyu ficou vermelho quase de imediato. Oh, merda.
*Bang* — Mafuyu bateu com as palmas da mão contra a mesa e se levantou.
— Eu vou comprar agora mesmo.
— Não, as aulas já vão começar.
— Eu vou comprar!
— Ah, mas acontece que o meu segundo álbum está em uma condição bem ruim, então eu estou realmente grato por você ter comprado esse álbum para mim — enquanto eu consolava Mafuyu o sinal de inicio da aula tocou. E como nosso professor veio para a sala mais cedo que o normal Mafuyu finalmente tirou a ideia de ir comprar de sua cabeça. Realmente não consigo entender as garotas!
— Se a Ebisawa não gosta da guitarra, por que continua tocando?
Chiaki havia plugado seu tocador de música a um set de pequenos alto-falantes e estava ouvindo a sarabanda das <Suítes Inglesas>1. Ela fez a pergunta enquanto batucava seus dedos nos joelhos ao ritmo da música.
— Ela é tão boa com o piano. Mesmo que toque guitarra, tudo que ela toca são algumas peças de piano, certo?
— Bem, talvez não seja tudo que ela saiba sobre guitarra.
Kagurazaka-senpai havia espalhado uma enorme quantia de partituras no chão de concreto e estava lendo-as com cuidado enquanto respondia Chiaki.
Já que o Clube de Música Popular não é um clube oficialmente reconhecido, as atividades são conduzidas majoritariamente no terraço do colégio. Apesar de eu não ser um membro do clube, senpai me pede diariamente para vir ao terraço após as aulas, não sei se ela está planejando me integrar ao clube aos poucos.
— Então, o que você pensa após ouvir os CDs da Mafuyu?
Ontem, que foi o quinto dia desde que comecei a praticar o baixo de acordo com as instruções dadas pela senpai, ela disse para mim:
— Junte todas as peças que Mafuyu já tocou assim como suas partituras e as traga para o colégio amanhã. Já que mora com um crítico de música você deve ter a coleção inteira em casa, certo?
Eu, de fato, tenho todas as partituras e CDs na minha casa, mas localizá-los era um problema diferente. Procurei pelas partituras na bagunçada biblioteca do Tetsurou, o que quase resultou em meu atraso hoje de manhã para a aula. Senpai parecia bastante feliz à medida que olhava as partituras que eu trouxe, uma a uma. Eu sabia que ela analisava as partituras enquanto ouvia as músicas tocadas no piano pela Mafuyu.
1 http://www.youtube.com/results?search_query=English+Suites&search_type=&aq=f
— Então as peças que Ebisawa Mafuyu toca são centradas em Bach. Ainda assim, não há nenhuma forma de ela conseguir tocar “A fuga” com a guitarra, é tecnicamente impossível, correto?
— Provavelmente — concordei.
Fuga vem do termo “fugue” em italiano. Esse estilo de composição começou durante os primeiros dias da música moderna, a era do barroco, e alcançou sua perfeição com Bach. É um estilo que possui várias vozes entrando em diferentes momentos, que perseguem a melodia inicial. Daí alguns também a chamam de “melodia em fuga”.
O que significa que, como a guitarra pode apenas tocar uma única melodia, é extremamente difícil de reproduzir as técnicas da fuga.
— Então, se for desafiá-la, você terá que fazer isso pela fuga, heim...
— Entendo... Ahn? O que você disse?
Minhas mãos pararam de dedilhar o baixo.
— A tão chamada “reunião de equipe” é para isso?
— O que você achou que era? — Senpai disse em choque. — Jovem, acho que já está na hora de você ficar consciente disso, mas as diferenças entre as suas habilidades e as que Ebisawa Mafuyu, são como a diferença entre uma baleia branca e uma azul. É impossível vencer se não criarmos uma estratégia.
— Eu sei disso, mas, por favor, você poderia ser mais gentil com suas analogias?
— Então que tal uma maçã em comparação a Terra? — Chiaki se juntou a nós.
Isso é ainda pior!
— Entretanto, você não pode desafiá-la com Bach. Não haverá nenhuma chance de vitória caso o faça — Senpai voltou ao assunto.
— Ei, espere um pouco, vou tocar música clássica?
Senpai tirou seu olhar da partitura e pareceu ainda mais chocada agora.
— Mas é claro. De que outro modo você espera “ensinar uma lição” a ela?
— Ah... Bem... — Pra ser sincero, eu não havia pensado sobre isso antes.
— Não há nenhum plano concreto, mas imaginei algo como tocar rock para que ela escute e fique um pouco impressionada comigo?
— Você realmente acha que alguém que possuí tão sublimes técnicas de guitarra ficaria de alguma forma abalada pelo que você tem a oferecer em tais circunstâncias? Primeiro, e será realmente problemático para mim caso você tenha se esquecido disso, minha intenção é fazer Ebisawa Mafuyu se juntar ao clube de Música Popular como minha companheira. O que significa que eu desejo integrá-la como um membro da banda.
— Eh?
...E?
— Então nós temos que tocar as músicas junto com a Ebisawa, correto? — Chiaki falou conforme continuava a folhear as partituras no chão. — Devem ser músicas que Ebisawa saiba.
Kagurazaka-senpai acariciou a cabeça de Chiaki gentilmente. Entendo, então essa é a razão pela qual nós iremos usar “A fuga”. As peças que Mafuyu ama, mas não é capaz de tocar sozinha no seu estado atual.
O que significa... Que meu baixo foi cuidadosamente modificado para combinar com o timbre da guitarra da Mafuyu? Mas espera... Eh? Isso implica que minha ingressão no clube também faz parte nos planos da senpai? Então isso já está certo na cabeça dela? Eu falei claramente que tudo que quero é a sala e não entraria no clube.
— No entanto, ela pode não aceitar mesmo que a instiguemos com alguma fuga cuidadosamente selecionada de Bach... Ainda mais, mesmo que nós tenhamos sucesso e consigamos ganhar a batalha, as habilidades de última-hora desse jovem provavelmente serão incomparáveis com as dela. — Senpai mordeu seu lábio inferior e jogou as partituras.
— Bem, nós talvez ainda tenhamos uma saída, caso o jovem se mantenha ao meu lado e faça um ano do meu treinamento, mas isso levaria tempo demais.
Também não quero começar esse tipo de treinamento! Sinto como se minha vida nunca mais fosse ser a mesma, caso eu passasse por um treinamento desse gênero.
— ...Ei, Nao. Ebisawa não disse que iria desaparecer em Junho?
Tendo ouvido isso da Chiaki, olhei para o céu e comecei a relembrar. De fato, Mafuyu havia dito isso na frente da turma no dia em que se transferiu para o colégio. Como ela fez várias coisas desagradáveis em seguida, me esqueci completamente disso.
Essas palavras... Qual o significado delas?
Senpai perguntou mais uma vez: — Desaparecer em Junho? Ela não disse mais nada além disso?
Chiaki pressionou seu dedo contra o lábio inferior e pensou por um momento antes de balança sua cabeça.
— “Eu terei ido em Junho, então esqueçam sobre mim”; isso foi tudo que ela disse. O que isso significa? Ela está se transferindo para outro colégio? Talvez ela esteja indo estudar no ensino médio afiliado a Faculdade de Música?
— Isso é ruim — Senpai cruzou os braços e disse. — Se conseguirmos fazê-la entrar no clube, ainda posso prendê-la usando os meus charmes para encantá-la. Mas será problemático caso ela suma antes disso.
— Senpai, você sabe que existe o Ato de Imoralidade, então não pode fazer nada que seja muito acima da linha, certo?
— Não se preocupe, sendo eu, é possível fazer isso sem me despir, então não haverá infração ao Ato de Imoralidade.
O que há com esse seu olhar ansioso?
— Então... Jovem, caso você não tenha a determinação para morrer em prol do meu romance e revolução... Ah!
Senpai de repente desligou seu discman.
— Alguma coisa errada?
— Ebisawa Mafuyu está aqui.
Olhei para baixo através da cerca e consegui ver suas costas, com seus longos cabelos castanhos desaparecendo para dentro da sala de música. Eu tenho certeza que a senpai não viu isso, então como ela sabia que a Mafuyu estava aqui? Ela é algum tipo de animal selvagem?
Nos abaixamos e esperamos quietos. Logo mais nós conseguíamos ouvir o som da guitarra. Ahn? Que melodia é essa? Eu já a ouvi antes, mas não consigo me lembrar. Tem algo de Liszt no estilo dela.
— ...É Paganini.
Senpai disse aos meus ouvidos. Eu me lembrei.
Niccolò Paganini, um violinista conhecido como o Demônio pelas técnicas extremamente impressionantes. Ele era um compositor incrivelmente talentoso também, mas que pela sua natureza desconfiada, odiava lançar as partituras de suas composições. Por causa disso, a maioria de seus trabalhos está perdida.
Seus concertos e caprichos de violino, junto com os estudos de piano compostos por Franz Liszt baseados nos seus caprichos, são provavelmente os únicos trabalhos dele que restam nos tempos modernos.
O que Mafuyu estava tocando era o estudo composto por Liszt.
Eu senti como se os ossos do meu corpo fossem ranger caso continuasse a ouvir aqueles intensos vibratos por mais tempo. Chiaki estava se encolhendo também. Que performance irritante.
— ...Entendo... Paganini...
Senpai estava murmurando algo para si mesma. Virei-me para olhar e a vi vasculhando os CDs de Mafuyu com uma expressão séria. Sua mão esquerda também estava remexendo pelas partituras. O que ela está fazendo?
Finalmente, senpai encontrou um CD e uma partitura.
— Achei.
— O que são esses?
— Jovem, você pode emprestá-los a mim?
— Bem, por mim não tem problema...
— Então estarei me dirigindo para casa antes. Tenho uma música para compor.
— Essa música?
— Correto, jovem! Paganini. Nós faremos exatamente o que Paganini fez. Podemos vencer com isso.
O rosto de senpai estava radiando com algum tipo de energia, mas eu estava completamente confuso. O que ela quer dizer? O que senpai tem nas mãos não é nada parecido com Paganini.
— É óbvio. A única pessoa que pode ensinar a Beethoven uma lição é Beethoven, correto?
Senpai me lançou uma fofa piscadela antes de se dirigir ao prédio do colégio com a partitura e o CD. Ela ainda é a mesma de sempre, falando coisas que ninguém consegue entender. A mesma coisa que Paganini fez?
Era impossível entender isso independente de quanto eu tentasse, então posicionei meu baixo de volta a minha coxa.
— Senpai parece realmente feliz...
Chiaki estava se despedindo de senpai com seu olhar, e sussurrando para si mesma deslumbrada. Bem, aquela pessoa parece feliz o tempo todo.
— Nunca pensei que senpai gostasse tanto do Nao.
— A pessoa que ela gosta é Mafuyu, não eu. Sou apenas a ponte que conecta ambas.
Chiaki estreitou a vista e me encarou, como se estivesse insatisfeita com algo.
— ...O quê?
— Hmm... Nada.
De repente Chiaki se levantou e sentou bem atrás de mim, com suas costas pressionadas contra as minhas. Eu me movi um pouco para frente de susto, mas como ela se encostou em mim novamente, não pude me mover mais.
— Ela disse que nós somos lutadores.
Chiaki falou de repente.
— ...Lutadores?
— Sim. Você não ouviu? Clube de Pesquisa de Música Popular é só uma fachada para enganar o mundo. Nós somos um exército revolucionário.
— Não, não ouvi nada disso. — Uma fachada para enganar o mundo? Senpai realmente falou isso? Por favor, né?
— ...O que foi mesmo? Ela disse algo como, a Sexta Internacional ou Partido de Vanguarda ou algo assim.
Isso é algum tipo de movimento estudantil enganoso de alguma área desconhecida? E, o que é essa Sexta Internacional? Onde está a Quinta?
— Realmente não sei quais palavras dela são verdade e quais são brincadeira.
— Talvez todas sejam verdadeiras? — Chiaki riu. — Mas e se todas forem apenas uma brincadeira? Ou melhor, não há como diferenciar as verdades das brincadeiras nas suas palavras, certo?
— Oh... É, imagino que você possa pensar sobre isso dessa forma.
— Eu não me machuquei durante a competição no verão passado? O médico disse naquela época que eu não poderia mais praticar Judô.
— Isso não aconteceu há um mês?
— Hmm... Eu menti para você. Nao pareceu tão preocupado que eu não consegui contar pra você imediatamente.
Então, até as palavras do médico foram uma mentira? Vendo como ela agiu, como se estivesse tudo bem após se machucar, eu fiquei completamente aliviado. Pensando agora, eu era realmente idiota.
— Eu estava realmente deprimida, sabe? Aquela expressão sua dizia tudo... Você pensou que meus machucados eram realmente sérios. Eu não consegui falar pra você que era algo que havia acontecido há muito tempo.
— Eu... Nunca pensei que fosse algo sério.
— Sim, você pensou.
Chiaki bateu de leve a sua cabeça na minha.
— Se não fosse por conhecer a Kagurazaka-senpai, talvez eu nunca tivesse contado para você. — Ela conseguiu desistir do judô porque ela tem a bateria agora, é isso que ela quer dizer? Mas... A Chiaki é realmente tão delicada?
— Naquela época, eu fugia de casa com frequência no meio da noite, e ficava vagando pela estação sozinha. Muitas pessoas vinham pra cima de mim procurando problema, eu era confundida com um garoto e não conseguia usar toda a minha força por causa do ferimento, estava realmente fraca. Entretanto, eu ainda conseguia vencê-los se não fosse mais que três contra um.
Não havia nenhuma razão pra você passar por essas coisas!
— Fui caçada por eles, então corri para dentro do porão de um prédio. Só então percebi que era uma casa de show, e foi lá que a senpai os espantou para mim. Ela é muito corajosa, na verdade ela trouxe algumas bebidas e pediu o dinheiro das entradas deles.
... Isso é corajoso?
— Ah, mas ela pediu para eu também pagar pela entrada.
— Como pensei.
— Como não tinha muito dinheiro comigo, eu só podia pagar usando o meu corpo.
Eu queria responder a isso de alguma forma, mas acabei desistindo.
— Então, o que é isso de lutadores? — Apesar de que esse termo soa mais como os soldados rasos nos filmes.
— Certo. Senpai disse que para começar uma revolução ela precisa de pelo menos mais três pessoas. O presidente, o tesoureiro e o comandante do exército ou algo assim. Com Nao se juntando a nós, só nos falta Ebisawa.
— Espera aí, eu não me juntei ao clube ainda, né?
De repente, não consegui mais sentir as costas da Chiaki. Caí de costas no chão de concreto e minha cabeça bateu gentilmente, a dor se espalhou pela minha mandíbula.
— Ai...
Quando abri meus olhos, vi Chiaki de cabeça para baixo, me olhando de perto. Eu engoli em seco.
— Não há nenhuma razão para não se juntar a nós, certo? Você até comprou um baixo.
— Isso é porque...
Chiaki agarrou minha cabeça com suas duas mãos. Eu não podia mais me mover nem se quisesse.
— ...Isso é pela Ebisawa?
Pela Ebisawa... É levemente diferente do que essas palavras querem implicar, mas acenei em concordância.
— Por quê? Por que você está fazendo tanto por ela? Não deveria haver tanta motivação em você, não é? Além do mais, você tem praticado sem parar recentemente, e suas técnicas estão ficando melhores. Eu fiquei bastante surpresa, sabia?
Eu não saberia como responder caso ela me perguntasse novamente, “É para conseguir a minha sala de prática de volta”, soa apenas como uma desculpa independente de quanto eu pense.
Quero dizer, se tudo que quero é poder ouvir meus CDs a vontade após a aula, deve haver outras maneiras mais simples de se conseguir isso.
Então é pela reputação do rock? Ou meu orgulho? Não importa o quanto eu tente explicar, tem algo que não se encaixa direito. Mas não importa a razão, preciso desafiá-la.
Pensei em silêncio por um tempo. Chiaki então me soltou e se levantou.
— Como você e Ebisawa se conheceram?
Chiaki se sentou atrás das minhas costas novamente e perguntou.
— Por que estamos falando sobre isso?
É difícil explicar o que aconteceu naquele dia, então eu não estava nem um pouco a fim de falar sobre.
— Eu acabei de contar como eu conheci a senpai, então é a sua vez de me falar.
Eu não conseguia pensar em nenhuma forma de refutar e Chiaki estava batendo sua cabeça contra a minha repetidamente. Comecei a lhe contar o que aconteceu enquanto me relembrava dos acontecimentos daquele dia. Sobre a loja de conveniência que é cheia de lixo, no fim do mundo, e como Mafuyu estava tocando a sonata de piano sozinha.
Mas deixei uma coisa de fora, como o lixo estava fazendo os sons de uma orquestra.
Ela provavelmente não teria acreditado em mim. E de alguma forma, senti que era melhor deixar isso como segredo, até de alguém como a Chiaki.
— Esse lugar parece bastante interessante. Quero visitá-lo também.
— Não, não é nada divertido.
Os montes de lixo amontoados são como esqueletos de alguma guerra, deixados para apodrecer ao longo dos dias, e entre eles se encontra um piano. Tudo está mortalmente quieto e o mundo acabou para aquele lugar, Mafuyu é provavelmente a única pessoa que é capaz de trazer vida de volta para aquele lugar.
Tentei me lembrar dela mais uma vez, da melodia daquela sonata de piano que Mafuyu tocou. Ela é formada por uma sequência de arpejos, como o gentil vai-e-vem da superfície dos mares. Seria aquilo Debussi... Não, espera, provavelmente Prokofiev? Eu ainda não consigo relembrar o nome da melodia.
E, isso de alguma forma parece com algo que eu não posso tocar. Mafuyu disse naquele dia que ela queria que eu apagasse a música da minha memória.
Sendo assim, aquela música deve ser algum tipo de chave. Para Mafuyu, aquela música leva a um dos segredos que ela guarda.
Foi só agora que percebi que eu não entendia nada sobre a Mafuyu.
— De qualquer forma...
A voz da Chiaki apareceu de repente e me trouxe de volta a realidade.
Sem que eu percebesse, Chiaki já estava agachada na minha frente e me encarando.
— Você está bastante interessado na Ebisawa, certo?
— Hmm... Hm? — Respondi vagamente. — Nã... O quê? Eu não entendo sobre o que você está falando.
— Não tem porque que se fazer de bobo a essa altura.
Chiaki deu um leve sorriso e gentilmente bateu na minha testa uma vez. Ela então se levantou.
— Então, eu vou ir para casa também. Eu queria perguntar se você gostaria de minha ajuda no seu treinamento, mas imagino que isso não importe.
Chiaki andou para o prédio sem sequer olhar para trás uma vez. Fui deixado só, no amplo terraço vazio, e a solitária melodia de Mafuyu veio de baixo de mim.
Por que todas as garotas ao meu redor são pessoas tão complicadas?
De repente me lembrei de como Mafuyu veio invadindo o terraço e então comecei a praticar após afinar o instrumento.
No próximo dia Mafuyu me entregou uma coisa quadrada de cor esverdeada clara, da sua bolsa após entrar na sala. Está bem embrulhado, o que é isso?
— Isso...
— O-O quê?
Ela empurrou a coisa em minhas mãos. E olhou de soslaio para ela várias vezes.
— Essa coisa... É minha... Minha culpa. Eu comprei isso para você.
Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Mafuyu comprou algo para mim? Que tipo de piada é essa?
— Mas você, de forma nenhuma, pode abrir aqui.
Concordei, apesar de minha cabeça ainda estar aturdida. Entretanto, os meus colegas que não escutam nada que os outros têm a dizer vieram se aproximando de mim animados como sempre. Um deles pegou o pacote das minhas mãos.
— O quê? Um presente da princesa? Ei ei, isso é sério?
— Não é um CD. Nao, podemos abrir?
— Ah, ah, espera...
O pacote foi rasgado antes que Mafuyu ou eu pudéssemos parar eles. É um CD. Na sua capa está um zumbi com um machado manchado de sangue em suas mãos, e estava com um asqueroso sorriso na cara. No seu título “IRON MAIDEN Killers”.
— Eu não disse para não abrir ele? Não me mostre isso, é repugnante!
Mafuyu se virou e sua voz soava como se estivesse à beira das lagrimas.
— Mafuyu me chamou de repugnante de novo. Minha única razão de viver se foi.
— Não se preocupe, ela não está falando de você.
— Mas esse zumbi até que parece com você, não acha?
Meus colegas estavam falando coisas retardadas de novo. Peguei o CD de volta deles.
— Hmm...Você comprou esse CD para mim por causa da capa?
Eu tive que jogar fora a capa que achei atrás do armário e isso foi graças a Mafuyu, que decidiu borrifar um monte de inseticida em cima dela. Mafuyu concordou ainda de costas e sussurrou: — Guarde-a logo.
É só uma capa, por que ela estava tão perturbada quanto a isso? Eu pensei na Mafuyu, que estava enojada simplesmente pela imagem de um zumbi. Então pensei nela indo na seção de Heavy Metal e olhando os CDs, todos preenchidos com imagens e designs extremos, enquanto ela, desesperadamente, tentava achar o álbum do Iron Maiden escondido entre eles. Eu não sabia mais o que dizer para ela.
Além do mais...
— O quê?
Mafuyu percebeu que eu tinha algo para dizer. Ela olhou para mim.
— Hmm, não... Não é nada.
— Diga!
— Hmm... Pode ser um pouco demais eu dizer isso, já que você comprou especialmente para mim, mas esse é o segundo álbum deles. A capa que você arruinou é na verdade do primeiro álbum deles — não pude culpá-la por confundir as duas, já que o estilo delas era extremamente similar. Após ouvir isso o rosto de Mafuyu ficou vermelho quase de imediato. Oh, merda.
*Bang* — Mafuyu bateu com as palmas da mão contra a mesa e se levantou.
— Eu vou comprar agora mesmo.
— Não, as aulas já vão começar.
— Eu vou comprar!
— Ah, mas acontece que o meu segundo álbum está em uma condição bem ruim, então eu estou realmente grato por você ter comprado esse álbum para mim — enquanto eu consolava Mafuyu o sinal de inicio da aula tocou. E como nosso professor veio para a sala mais cedo que o normal Mafuyu finalmente tirou a ideia de ir comprar de sua cabeça. Realmente não consigo entender as garotas!
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